terça-feira, 31 de março de 2009

IDEIAS SOLTAS

Divórcio anúnciado
Um amigo que escreve regularmente sobre futebol e que muito prezo tem vindo a fazer a apologia do «médio transportador de bola». O exemplo mais recente é o caso do Cristián Rodríguez no FC Porto. Segundo ele, uma das grandes evoluções tácticas da equipa de Jesualdo Ferreira desta época prende-se, precisamente, com o recuo de Rodríguez no terreno passando este a ser um quarto elemento no meio-campo portista que, quando a equipa ganha a posse de bola, se transforma no tal «médio transportador de bola». Apesar desta lógica não encaixar na minha concepção de jogo (de qualidade), nem na minha concepção de qualquer posição do meio-campo, não me custa aceitar que, em determinadas equipas, dentro de um padrão de jogo concreto, essa posição e função – essa subdinâmica – possa ser útil. Já me custaria aceitar se afirmasse que, para se jogar em transições ofensivas rápidas, como tende a ser o registo deste FC Porto, tal sub-dinâmica é necessária. Mas não é o caso, nem é sobre isso que eu quero hoje aqui falar.
Para chegar onde pretendo preciso de aqui trazer outra ideia que esse meu amigo defende e com a qual eu também me identifico. Pelo menos a este nível formal de abstracção, ela já parece caber no saco do meu jogar bem. A ideia de que a posição 6 é crítica para se jogar bom futebol, de que esta deve ser vista como um «farol». A posição de «pivô».
Ora, onde está o problema? Bem, o que me faz verdadeiramente confusão é o fazer-se, simultaneamente, apologia das duas posições/funções. O «médio transportador de bola» não casa com o «pivô», é como misturar alhos com bogalhos... A lógica do «médio transportador de bola» leva-nos para um jogar mais transportado que circulado, mais assente no deslocamento dos jogadores. Um jogar tendencialmente menos colectivo, que tende a olhar mais para a profundidade do que para a largura, que facilmente cai no aumento da distância entre linhas. Um jogar que, não raras vezes, cai na «vertigem do jogar rápido». A lógica do «pivô» leva-nos para... o oposto de tudo isto. Um jogar muito mais apoiado e circulado, assente num bom jogo posicional de todos os jogadores, onde o «pivô» é o epicentro de toda a dinâmica ofensiva colectiva, o tal «farol». Um jogar onde quem corre é, fundamentalmente, a bola, de pé para pé, ora curto, ora longo, onde se procura uma circulação criteriosa à largura para que a profundidade seja ganha com naturalidade e qualidade.
Não tenho dúvidas, tal casamento resultará em divórcio. A presença do «médio transportador de bola» tende a fazer desaparecer do jogo o «pivô». A posição 6 continua lá, mas aquela função concreta desvanece-se. O «farol» apaga-se. E a dinâmica colectiva transfigura-se... A tal ponto que, depois, ouvimos dizer: «Aquele jogador passou ao lado do jogo!». Será verdade? Ou terá sido o jogo a passar ao lado dele?...
E o facto de falar em «pivô» e não em «pivô defensivo» não é esquecimento nem gralha no texto. Porque se for defensivo, já não é «pivô». Poderá ser médio defensivo ou outra coisa qualquer, mas nunca «pivô». Porque a concepção de base é outra. O «pivô» é a posição nobre de um jogar todo ele perspectivado em função de uma organização ofensiva muito especial e, para grande pena minha, em vias de extinção. Há poucas, muito poucas, equipas a jogar assim. Há poucos, muito poucos, «pivôs» no futebol actual.
Uma curiosidade para concluir: a equipa que hoje melhor espelha esta forma peculiar de atacar subjacente à presença em campo de um «pivô» é o Barcelona, cujo treinador foi, talvez, o melhor «pivô» de todos os tempos, Guardiola. Será coincidência?...

Nuno Amieiro

segunda-feira, 30 de março de 2009

À CONVERSA COM VÍTOR FRADE

Mexer ou não mexer, eis a questão
Nuno Amieiro (NA): Professor, até que ponto faz sentido pensar-se em alterar a «configuração física» a um jogador para que este venha a ser algo mais do que aquilo que é? Isto é, no sentido de, por exemplo, o «engrossar» para ser mais resistente ao choque ou para ir ao encontro de um qualquer estereótipo corporal de defesa, médio ou avançado?
Vítor Frade (VF): Antes de mais, é necessário reflectir sobre a designação que está a utilizar, a expressão «configuração física». Por exemplo, diz-se muitas vezes o seguinte: “Aquele jogador não vai jogar porque tem um problema físico”. Será que quem diz isto está a querer dizer que lhe falta resistência ou qualquer outra coisa relacionada com o físico? Não. Por isso, para mim, o que o jogador tem é um problema clínico. É preciso algum cuidado com a terminologia para que o entendimento das coisas seja um determinado. Em relação à sua pergunta, parece-me mais ajustado falar em morfotipo do jogador e, no meu entender, pensar-se em o alterar é uma asneira de todo o tamanho. As exigências que regularmente o indivíduo vai enfrentando vão tornando-o mais resistente e mais capaz e não devemos querer ir mais longe do que isso, pois na tentativa de ganhar determinadas coisas, iremos perder uma série de outras coisas.
Não me custa nada reconhecer que, para certas posições e funções, o morfotipo e a estatura são relevantes, em termos de média. Mas, por exemplo, no caso do ponta-de-lança até menos do que no caso do defesa central. E mesmo aí todos nós conhecemos defesas centrais de top que são relativamente baixos, onde aquilo que os identifica como característico tem normalmente pouco a ver com o lado externo do morfotipo, aquilo que designou por «configuração física», e muito mais com a articulação e os timings de utilização de uma série de outras coisas. Veja, por exemplo, o caso do Liedson... Ele é «felino» e para ser «felino» e eficaz, tem de ser inteligente, tem de ser capaz de decifrar, de se antecipar... Mas vou-lhe dar outro exemplo. O Pepe tem uma entrevista recente, num jornal espanhol, onde diz que presentemente também está a fazer musculação para o trem superior, para o tronco, porque, refere-o ele, joga-se muito disputadamente, os pontas-de-lança são grandalhões, o tipo de jogo proporciona muitas disputas e, nesse sentido, ele sente a necessidade de ser espadaúdo para poder enfrentar essas circunstâncias. Mas também diz que se sente à nora quando lhe aparece um ponta-de-lança pequenino...
NA: O professor está a querer dizer que ele pode vir a perder algo do Pepe que conhecíamos?
VF: Ele já está a dizer que está a perder!!!... Porque, quando ele não era espadaúdo ou não ia para o ginásio com esse fim, ele foi capaz de ser vendido por 30 milhões de euros e penso nunca o ter ouvido afirmar que os jogadores pequeninos lhe davam problemas... Não sei... Mas, ao que parece, ele agora está a senti-las. Porque, e isto é que é importante que se perceba, a acentuação de qualquer uma que seja considerada como variável tem repercussões no peso que as outras tinham no padrão de relação que existia. E, pelo menos ao nível da formação, esta lógica de pensamento é um absurdo, embora eu também esteja em desacordo com ela no que se refere ao rendimento superior... Era admitir que seria vantajoso «engrossar» o Liedson... O Liedson nunca mais seria o Liedson! E, provavelmente, aquilo que o fez ser Liedson foi o facto de ele não ter esse arcaboiço.
Eu conheci o Anderson e, para mim, ele era potencialmente um dos melhores jogadores do mundo como médio interior. Eu estava convencido de que, a continuar na mesma posição e nas mesmas funções, ele seria do melhor. Precisamente na posição onde hoje é mais difícil de encontrar jogadores daquele tipo. Foi para o Manchester e passou a jogar mais atrás... Disseram logo que tinha de ganhar não sei o quê... E dizem agora que ganhou isto e aquilo... Ganhou o quê? A maioria das vezes eu nem o vejo a jogar. E o que perdeu sei eu muito bem. Dizem que ganhou capacidade defensiva, que está outro jogador e mais não sei o quê. Pois está! Está outro, sem aquilo que tinha e que, do meu ponto de vista, é o mais difícil de ter: capacidade de desequilibar no último terço, capacidade de deixar pronto no último terço, etc, etc... Ora, tudo isto tem origem em dois pontos de conhecimento: o conhecimento de jogo que se tem, ou melhor, que não se tem; e o conhecimento retrógrado, miúpe e mecânico que se tem do que é o Indivíduo. É necessário saber um pouco das duas coisas...
NA: Deixe-me pegar agora no exemplo do Cristiano Ronaldo... A generalidade das pessoas está claramente convencida de que o que ele é hoje enquanto jogador se deve em grande parte ao trabalho de ginásio que desenvolveu e provavelmente continua a desenvolver...
VF: Isso rebate-se com facilidade. O Cristiano tem um morfotipo e joga numa posição que pode permitir que o lado atlético seja um acrescento. Mas eu penso que a juventude dele e o facto de estar a jogar em Inglaterra ainda não o fez dar-se conta do desperdício que é o não uso tão regular da capacidade de drible, de simulação e de engano que ele tinha. E o jogo assente neste padrão atlético em que ele se está a viciar e do qual beneficiam os abdominais e o porte que ele tem, tirou-lhe algo que ele também tinha potencialmente, que era aquele poder de «ginga», que é mais o registo, por exemplo, do Messi. E eu pergunto, alguém no seu perfeito juízo é capaz de dizer que o Cristiano Ronaldo é melhor do que o Messi? Na melhor das hipóteses dirão que um é tão bom quanto o outro. E o Messi é exactamente o oposto em termos de morfotipo: é pequeno, enfezado,... E é doente, pois tem problemas metabólicos.
Acho que o que é fundamental é que o jogador tenha a capacidade de resistir e de ter força... Mas é importante que se perceba o que eu quero dizer com isto, pois não tem nada a ver com o entendimento comum... Repare na conversa que há pouco estávamos a ter sobre o Fábio Coentrão. O Coentrão, sendo um indivíduo débil, frágil, numa disputa de bola contra dois jogadores matulões do FC Porto, o Cissokho e o Rolando, conseguiu, com uma «ginga», sentar os dois e ir embora com a bola... Isto, para mim, é que é ter força. Ter capacidade de arrancar, travar, voltar a arrancar mas pelo lado contrário...

NA: O Fábio Coentrão é claramente o tipo de jogador que, normalmente, sente na pele este modo mutilador de pensar... «Ele é bom jogador, mas falta-lhe...»...

VF: Porque a lógica que está implantada é a lógica da burrice. A cada passo vemos e ouvimos apregoar uma série de slogans que vão ao encontro desse tipo de raciocínio. Até na escolha dos miúdos ao nível da formação se ouve, sistematicamente, coisas como «Eh pá, é habilidoso, mas é pequenino». É um absurdo. Por exemplo, o Liedson, não sendo um fora-de-série, ao nosso nível é um jogador fantástico e é pequenino, como o era o Romário e uma série de outros bons jogadores.
Mas o ridículo desta questão é fácil de constatar. Se nós formos perguntar aos indivíduos que fazem a apologia do físico, da altura, do corpo «engrossado» qual é o melhor jogador do Benfica, quase todos eles respondem que é o Aimar. Se perguntarmos em relação ao Sporting, quase todos eles dizem que é o Liedson e o João Moutinho. Se perguntarmos em relação ao FC Porto, quase todos eles referem o Lucho, que por acaso é alto, mas não é de cabeça que ele sobressai e é adelgaçado. Se perguntarmos em relação ao Barcelona, quase todos eles apontam o Messi, o Xavi e o Iniesta... Da mesma maneira que quando perguntaram a um ex-director técnico nacional do atletismo o que ele pensava do Usain Bolt, o campeão olímplico dos 100 metros, ele respondeu que era «um diamante em bruto». Um indivíduo que acaba de bater todos os recordes é «em bruto»? Está implícito na resposta dele que, quando o Usain Bolt fizer musculação e uma série de outras coisas, vai voar como os crocodilos... Mas, espere lá, os crocodilos não precisam de voar para serem crocodilos!... O que se deveria fazer era parar e pensar que a seguir ao Carl Lewis, todo o morfotipo que surgiu era de indivíduos estilo Caterpillar e que, agora, aparece este atleta com um morfotipo longilíneo a bater todos os recordes. Mas é o próprio Usain Bolt quem diz que não faz musculação, que treina na relva e que as únicas cargas que utiliza é ao fazer competições de 60 metros com um colega a puxar um pneu. E diz que dança muito por ser da terra do reggae!
Quem souber um bocadinho sobre aprendizagem motora, sobre coordenação motora, sobre timing de manifestação muscular e de coordenação muscular, etc, acaba por se afastar dessa forma de pensar que é mutiladora. Mas até aqui na faculdade há professores que dizem que o músculo é cego. Cegos são eles, porque o músculo é, manifestamente, muito mais, um orgão sensitivo do que um orgão gerador de potência. E, se calhar, ao mesmo tempo que dizem que o músculo é cego, defendem que é importante a proprioceptividade. Ou seja, não sabem o que estão a dizer. Porque a proprioceptividade é precisamente o que faz do músculo fundamentalmente um órgão sensitivo. Portanto, uma série de mecanoreceptores que se alteram para captarem, digamos assim, a evolução do corpo no tempo e no espaço. Ora, o futebol de qualidade, para qualquer posição, apresenta uma diversidade de agilidade e mobilidade que... Eu costumo dizer que a ignorância é atrevida p’ra caraças...
NA: Um dos argumentos de que eu me costumo servir para tentar evidenciar o quanto pode ser prejudicial querer «transformar» um jogador tem a ver com algo para o qual o professor alerta frequentemente... Eu, enquanto elemento da minha espécie ainda não estou totalmemente adaptado ao bipedismo e, portanto, muito menos preparado para jogar futebol. Ou seja, eu tenho uma história, para o caso «motora», que, em parte, partilho com a minha espécie e que, em parte, é pessoal, fruto das minhas vivências. Se pensar em ir «engrossar» ou tentar ganhar algo que, em termos corporais, não tenho, vou estar a interferir com essa história, que é património meu. Com isso, provavelmente, vou estar a hipotecar muito desse «património coordenativo» que o envolvimento a que estive sujeito durante anos me levou a adquirir «contra-natura» hominídea!
VF: Eu já não quis ir por aí, porque esse caminho levar-nos-ia a 3 ou 4 horas de conversa... Mas, repare, é também preciso perceber que à volta de tudo isto há um jogo de interesses muito grande. Por exemplo, qual é uma das indústrias mais ricas do mundo? É a indústria do armamento. E alguém fabrica o que quer que seja para não vender? Com certeza que se têm de criar condições para que as coisas se usem... E depois, no caso do futebol, a publicidade também assume um papel muito importante, pois vem dizer que uma série de coisas são indispensáveis, que é necessário fazer isto e aquilo para que se marque dois golos com um pontapé só, e servem-se de alguns exemplos que facilmente caem no absolutismo pela falta de conhecimento que as pessoas têm acerca do jogo e acerca do Indivíduo.
NA: Para acabar, uma pergunta muito directa: porque é que o facto de eu ir fazer musculação vai alterar aquela que é a minha história de relação com o corpo?
VF: De um modo muito simples, porque altera a relação do corpo com o corpo, ou seja,... Há dois tipos de timing. O timing coordenativo dos músculos entre si, que é a co-contractividade, portanto, vão existir cadeias que passam a degladiar-se, que se passam a estorvar umas às outras. Porque é uma coordenação que se coloca contrária à fluidez que sugere e solicita a espontaneidade do jogo de futebol. Para além disso, há outro tipo de timing, que tem a ver com o ajustamento muscular à alteração sistemática regular que o envolvimento coloca. Ao fazer musculação vai estar a bulir com isso, vai estar a enganar o sistema nervoso. Portanto, vai obstruir o leque de possibilidades de manifestação que o corpo tinha a jogar futebol. E se o fizer quando em desenvolvimento vai inclusivamente bloquear o crescimento, por exemplo, dos ossos e de outras estruturas. Vai hipertrofiar uma zona que é muscular quando nós sabemos que os tendões não se desenvolvem da mesma forma... Porque não é natural! É como aqueles indivíduos que tinham uns carrinhos pequeninos e lhes rebaixavam a colaça, colocavam umas jantes largas, uma suspensão mais dura, etc, para se armarem em corredores... Só que depois partiam os carros por outro lado...


domingo, 29 de março de 2009

VALE A PENA LER DE NOVO

As lições do Bétis de Víctor Fernández
A filosofia do bom futebol
É dos livros. Posse e circulação de bola são os princípios básicos do bom futebol. Conceitos traduzidos em campo pelo perfeito domínio do espaço e dos tempos, expressos hoje, na quente e virtuosa Andaluzia, por uma sedutora equipa congeminada por um jovem técnico, filho de um agricultor, licenciado em Filosofia e Letras: Víctor Fernández, o filósofo do fantástico Bétis.
Por entre o universo de treinadores, digamos, pragmáticos, que invadem o futebol actual, descobrir um homem como Víctor Fernández faz-nos acreditar que ainda é possível tirar o futebol da confusão de valores, tácticos e técnicos, em que caiu nos últimos tempos. Desde que começou a treinar, com 17 anos, os infantis do Stadium Casablanca, desenvolveu o gosto pelo futebol ofensivo, estruturado à zona e baseado na técnica. Uma ideologia futebolística que, junto de livros de filosofia e clássicos da literatura, cresceu até surgir, em 1990, no banco do seu Saragoça. Tinha então apenas 30 anos.
Quando se fala em espaços e posse de bola no futebol estamos, no fundo, a falar de um problema geográfico que dará vantagem a quem ocupar todas as zonas do relvado de modo mais inteligente. Esta é a base do pensamento de Víctor Fernández, para quem os jogadores nunca se devem esquecer de que o relvado tem 104 por 67 metros e a bola deve, durante os 90 minutos, ser apresentada a todos os pedacitos de relva, sem excepção. Para se entender na prática esse conceito é obrigatório ver jogar o seu último sonho de futebol: o Bétis. Como antes foram o Saraçoça e o Celta, este Bétis, desenhado num sistema de 4x3x3 à moda antiga, com dois extremos, é a inteligência futebolística em movimento. Partindo da estrutura defensiva montada por Juande Ramos, Fernández busca o equilíbrio defesa-ataque através, sobretudo, da eficácia do passe curto e da velocidade diagonal dos homens que actuam nas alas. Neste seu projecto destacam-se vários talentos da cantera, sobretudo na defesa: Juanito e Rivas, centrais, e Luis Fernández e Varela, laterais ofensivos. Com o meio campo regido pelo trinco brasileiro Marcos Assunção, apoiado por Ito, ficam criadas as condições para soltar os mágicos do onze: os extremos Denilson, à esquerda, e Joaquín, à direita, inventores de fantásticas jogadas ofensivas, onde surgem depois, perto da área, o regressado Alfonso e o ilusionista Capi, um sedutor médio ofensivo. O futebol é, no entanto, um jogo em que só o resultado é indiscutível. Para quem ama o belo jogo, porém, há verdades que, mesmo se às vezes perdem, também continuam a ser indiscutíveis: bom futebol só com respeito pela bola. Este Bétis, com todas as outras equipas de Víctor Fernández, é o exemplo perfeito desta ideia de futebol.
Luís Freitas Lobo, no jornal A Bola de 11 de Outubro de 2002
(artigo publicado com a autorização do autor)

terça-feira, 24 de março de 2009

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO

Every trainer talks about movement, about running a lot. I say don’t run so much. Football is a game you play with your brains. You have to be in the right place at the right moment, not too early, not too late.
Johan Cruyff

Tradução
Todos os treinadores falam de movimento, de correr muito. Eu digo não corram tanto. O futebol é um jogo que se joga com o cérebro. Tens de estar no local certo no momento certo, nem antes nem depois.
Johan Cruyff

segunda-feira, 23 de março de 2009

À CONVERSA COM VÍTOR FRADE

Deixo aqui um "cheirinho" da primeira conversa relativa àquela que será, sem dúvida, a secção que mais prazer me dará publicar neste espaço...

Nuno Amieiro (NA): Professor, até que ponto faz sentido pensar-se em alterar a «configuração física» a um jogador para que este venha a ser algo mais do que aquilo que é? Isto é, no sentido, por exemplo, de o «engrossar» para ser mais resistente ao choque ou para ir ao encontro de um qualquer estereótipo corporal de defesa, médio ou avançado?
Vítor Frade (VF): Para começar é logo necessário reflectir sobre a designação que você está a utilizar, a expressão «configuração física». Por exemplo, diz-se muitas vezes o seguinte: “Aquele jogador não vai jogar porque tem um problema físico”. Será que quem diz isso está a querer dizer que lhe falta resistência ou qualquer outra coisa relaccionada com o físico? Não. Por isso, para mim, o que o jogador tem é um problema clínico. É preciso algum cuidado com a terminologia para que o entendimento das coisas seja um determinado. Em relação à sua pergunta, parece-me mais ajustado falar em morfotipo do jogador e, no meu entender, pensar-se em o alterar é uma asneira de todo o tamanho.

VALE A PENA LER DE NOVO

Mundial 2006
Portugal vs Angola

Agora que o jogo mais emocional já está para trás e que os três pontos estão do nosso lado é importante descansar e recuperar para o próximo jogo. Mas, o facto é que também é importante trabalhar a organização da equipa, principalmente a defensiva. A forma como permitimos que os angolanos tomassem conta da posse de bola e que a partir da segunda parte nos dominassem foi particularmente gritante e será preocupante quando defrontarmos equipas de nível superior ao nosso. A equipa não pode jogar tão espaçada, com tanta distância entre os sectores. É importante definir momentos de pressão e/ou momentos de bloco. Quando um jogador pressiona alto (os médios Figo e Tiago principalmente), os outros têm que forçosamente encurtar espaços para impedir que o adversário jogue entre linhas, ou se o essencial é a recuperação posicional todos o devem fazer o mais rápido possível para que com o bloco homogéneo se possa proceder à recuperação da bola. O que não pode acontecer de novo é estarmos a pactuar com um ascendente tão grande do adversário por indefinição dos nossos princípios de jogo. Pressão cega e desorganizada como aquela que fizemos só leva a maior desgaste físico e mental. É obvio que o tempo é escasso e que esse trabalho deveria ter sido feito em Évora mas penso que com o talento e a experiência dos nossos jogadores e a capacidade de análise de Scolari a «máquina» seja afinada rapidamente para estar pronta no jogo com o Irão.
André Vilas-Boas, no jornal O Jogo de 15 de Junho de 2006
(artigo publicado com a autorização do autor)

sexta-feira, 20 de março de 2009

PERIODIZAÇÃO TÁCTICA, o que nos diz Vítor Frade

Elemento catalisador
Só faz sentido existir o treinador se este for interventivo, mas interventivo no sentido de catalisador da apreensão de tudo aquilo que é conveniente e importante para o crescimento do processo.
Vítor Frade (2003)

EM DESTAQUE



















Título
A (In)(Corpo)r(Acção) Precoce dum jogar de Qualidade como Necessidade (ECO)ANTROPOSOCIALTOTAL
Futebol um Fenómeno AntropoSocialTotal, que «primeiro se estranha e depois se entranha» e… logo, logo, ganha-se!


Autor
Jorge Maciel

Orientador
Professor Vítor Frade

Monografia realizada no âmbito da disciplina de Seminário do 5º ano da licenciatura em Desporto e Educação Física, na opção de Futebol, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

Resumo
O Futebol é um fenómeno Humano único a nível mundial. Por este motivo, influencia e é influenciado pelas diversas sociedades. Por conseguinte exerce desde idades muito precoces um fascínio especial sobre os indivíduos, tornando pertinente a racionalização dos processos de Formação. Estes, se devidamente racionalizados, permitem que a prática precoce se revele favorável ao desenvolvimento de Talentos, que no Futebol têm de revelar uma adaptabilidade especial, mas cuja expressão qualitativa é tanto mais possível, quanto mais precocemente se iniciar a prática de qualidade do Futebol. O presente estudo articula informação proveniente de diferentes domínios, os quais nos permitiram responder aos seguintes objectivos: (1) evidenciar que o Futebol é um Fenómeno Social Total; (2) realçar a pertinência do conceito AntropoSocialTotal; (3) apresentar o Futebol como um fenómeno complexo; (4) evidenciar que o Futebol é aparentemente ContraNatura; (5) evidenciar como determinantes as práticas de infância dos Talentos; (6) sustentar essas práticas; (7) evidenciar que a racionalização do processo de Formação torna exequível o Trinómio Mais Futebol, Mais Criança, Mais Educação; (8) evidenciar que a prática precoce de qualidade é determinante; (9) inferir acerca dos efeitos da prática precoce sobre o Corpo; (10) sustentar a importância da prática precoce na alteração da funcionalidade Corporal; (11) explicitar que a Inteligência de Jogo é uma Inteligência Corpórea adquirida por InCorporAcção; (12) evidenciar a importância da Aculturação ao fenómeno fazendo-se com base em referenciais de qualidade; (13) evidenciar a necessidade de uma lógica congruente, conceptual e metodologicamente, entre a realidade do Futebol de Formação e do Futebol dos adultos. Destacamos em termos de conclusões que o parto de jogadores e de Talentos (realidade Ecogenética) pode encontrar-se facilitado se os processos de Formação tiverem subjacente uma Concepção Metodológica (Periodização Táctica/Periodização à La Long) e uma Cultura de Jogo (Modelo de Jogo) comum e congruente com a realidade sénior, respeitando coerentemente o Trinómio Modelo de Jogo, Modelo de Jogador, Modelo de Treino, desenvolvendo a Inteligência de Jogo através da sua InCorporAcção.

terça-feira, 17 de março de 2009

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO

A perfeição do automatismo não consiste no ter-se definitivamente fixado um certo encadeamento de acções musculares, é pelo contrário, uma liberdade crescente na escolha das acções musculares a encadear.
Vítor Frade (1985)

segunda-feira, 16 de março de 2009

IDEIAS SOLTAS

Uma questão de bem decidir
Uma constatação: no jogo, o jogador está permanentemente a tomar decisões. A cada nova (inter)acção, o primeiro problema com que o jogador se confronta É SEMPRE de natureza táctica: «O que faço aqui e agora?». Uma pergunta que, em relação ao domínio do jogar, é muitas vezes não consciente, com resposta também ela dominantemente não consciente.
Implicações para o treino? Bem, a primeira e a mais importante é que, se o jogo de futebol é um jogo de decisões, o treino em futebol deverá ser treinar decisões. Ou melhor, ensinar/aprender a decidir. Em função de uma matriz que se pretende regular. Como? Criando um contexto que fomente o aparecimento de umas coisas em detrimento de outras, isto é, que direccione as escolhas dos jogadores para o padrão de (inter)acções desejado. Desse modo, aos poucos, aquela que é uma idealização (táctica) do treinador tornar-se-á concretização (táctica) regular por parte dos jogadores.
Ou seja, treinar será levar a efeito um processo que faça emergir uma matriz de jogo... condicionada por um padrão de tomadas de decisão... alicerçado numa Táctica concreta... Aquela que o treinador, mais sistematizada ou menos sistematizada, tem na cabeça.

Nuno Amieiro

sábado, 14 de março de 2009

IDEIAS SOLTAS

Só para quem tem problemas de visão
Para aqueles que não têm o hábito de ler, aos sábados, a crónica que Jorge Valdano assina no jornal A Bola, deixo aqui um momento especial de hoje, apenas para saberem o que poderão andar a perder...
O Real Madrid deixou o Liverpool escolher as armas da partida e deixou-me com uma pergunta: porque tinha tanta pressa uma equipa sem velocidade individual nem colectiva?
Bem sei que é a segunda vez em tão pouco tempo de existência deste espaço que cito Valdano, mas que posso eu fazer?... O modo como pega nas palavras e as articula de modo a espelharem o que lhe vai na alma é único, um deleite. E imperdível, porque utiliza o seu dom para falar de futebol. Imperdível, pelo menos, para aqueles que sofrem de «problemas de visão». É que, como diz «outro» poeta, de seu nome Fernando Pessoa, “Pensar é estar doente dos olhos”...
Nuno Amieiro

sexta-feira, 13 de março de 2009

PERIODIZAÇÃO TÁCTICA, o que nos diz Vítor Frade

O difícil é concretizar
O lado formal da Periodização Táctica é passível de ser captado por muita gente, mas não é aí que reside o fundamental. O fundamental reside na operacionalização do formal, isto é, a concretização. É aí que o treinador, aquele que gere, tem de ser importante todos os dias. Ele tem de ser o indivíduo que aproxima tudo aquilo que é favorável ao crescimento qualitativo do processo, no sentido de o futuro a que aspira ser qualquer coisa que continue a fazer sentido.
Vítor Frade (2003)

UM LIVRO

Título
Me gusta el fútbol
Autor
Johan Cruyff
Editora
RBA
Edição e prólogo
Sergi Pàmies
Data de edição
2002
Língua

Espanhol

Para abrir o apetite...

Se se pudesse estabelecer uma lista de mandamentos sobre o futebol, um dos primeiros deveria dizer algo como: «a pressão deve exercer-se sobre a bola, não sobre o jogador».

(...) alguns consideram que o fora de jogo prejudica as equipas mais ofensivas (...). Pessoalmente, a regra do fora de jogo nunca me pareceu um obstáculo ou um instrumento defensivo. Pelo contrário, considero que se trata de uma arma ofensiva, pela simples razão de que te obriga a juntar as linhas da equipa e isso facilita o movimento da bola (...).

A primeira função de um guarda-redes é organizar a defesa. Para mim, isso começa quando a tua equipa está a atacar (...). Em quantas menos bolas o guarda-redes tocar, tanto melhor: isso significa que organizou bem a sua defesa.

Ter a bola não significa tê-la e pronto. Há que saber o que fazer com ela. Quando eu digo que enquanto nós temos a bola o adversário não a tem e, portanto, não pode marcar, o que quero dizer é que nós mandamos e temos a iniciativa do jogo. E como tenho a bola, eles têm que a tentar roubar e, com isso, consigo criar espaço.


quinta-feira, 12 de março de 2009

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO

«O que é jogar bem?», perguntam os sábios da modernidade com uma ponta de cinismo. Então, jogar bem é desfrutar tanto que não resta tempo para perguntas idiotas.
Jorge Valdano

IDEIAS SOLTAS

Sem papas na língua
Gostei muito de ouvir Costinha no passado Domingo no programa Domingo Desportivo da RTP. Sereno, coerente, frontal e sem medo de ser politicamente incorrecto, mesmo quando algumas das questões que foram surgindo o levaram a pronunciar-se, por exemplo, sobre a (falta de) qualidade do actual plantel do SL Benfica ou a (má) utilização de Fábio Rochemback no vértice recuado do losango do Sporting CP, posição (não confundir com função) de Costinha no FC Porto de Mourinho. Percebeu-se que disse o que pensava e só isso, nos tempos que correm, e não apenas no mundo do futebol, já é de elogiar. Postura idêntica à de João Vieira Pinto, por exemplo no programa da RTPN da passada quinta-feira, onde, sendo convidado especial do programa o seleccionador nacional Carlos Queiroz, se mostrou contra a possível chamada de Liedson à Selecção Nacional (não contra o jogador do Sporting CP em particular, perceba-se). Postura idêntica à de Paulo Sousa, por exemplo nos inúmeros artigos que escreveu com regularidade para o jornal A Bola. E tanto que o futebol português precisa destas vozes. Vozes de quem vive ou viveu o futebol a top e que não tem medo de assumir publicamente convicções, mesmo quando estas colidem claramente com a “norma”, com o politicamente correcto. Que surjam mais... e que falem de futebol. O Futebol agradece.
Nuno Amieiro