domingo, 29 de março de 2009

VALE A PENA LER DE NOVO

As lições do Bétis de Víctor Fernández
A filosofia do bom futebol
É dos livros. Posse e circulação de bola são os princípios básicos do bom futebol. Conceitos traduzidos em campo pelo perfeito domínio do espaço e dos tempos, expressos hoje, na quente e virtuosa Andaluzia, por uma sedutora equipa congeminada por um jovem técnico, filho de um agricultor, licenciado em Filosofia e Letras: Víctor Fernández, o filósofo do fantástico Bétis.
Por entre o universo de treinadores, digamos, pragmáticos, que invadem o futebol actual, descobrir um homem como Víctor Fernández faz-nos acreditar que ainda é possível tirar o futebol da confusão de valores, tácticos e técnicos, em que caiu nos últimos tempos. Desde que começou a treinar, com 17 anos, os infantis do Stadium Casablanca, desenvolveu o gosto pelo futebol ofensivo, estruturado à zona e baseado na técnica. Uma ideologia futebolística que, junto de livros de filosofia e clássicos da literatura, cresceu até surgir, em 1990, no banco do seu Saragoça. Tinha então apenas 30 anos.
Quando se fala em espaços e posse de bola no futebol estamos, no fundo, a falar de um problema geográfico que dará vantagem a quem ocupar todas as zonas do relvado de modo mais inteligente. Esta é a base do pensamento de Víctor Fernández, para quem os jogadores nunca se devem esquecer de que o relvado tem 104 por 67 metros e a bola deve, durante os 90 minutos, ser apresentada a todos os pedacitos de relva, sem excepção. Para se entender na prática esse conceito é obrigatório ver jogar o seu último sonho de futebol: o Bétis. Como antes foram o Saraçoça e o Celta, este Bétis, desenhado num sistema de 4x3x3 à moda antiga, com dois extremos, é a inteligência futebolística em movimento. Partindo da estrutura defensiva montada por Juande Ramos, Fernández busca o equilíbrio defesa-ataque através, sobretudo, da eficácia do passe curto e da velocidade diagonal dos homens que actuam nas alas. Neste seu projecto destacam-se vários talentos da cantera, sobretudo na defesa: Juanito e Rivas, centrais, e Luis Fernández e Varela, laterais ofensivos. Com o meio campo regido pelo trinco brasileiro Marcos Assunção, apoiado por Ito, ficam criadas as condições para soltar os mágicos do onze: os extremos Denilson, à esquerda, e Joaquín, à direita, inventores de fantásticas jogadas ofensivas, onde surgem depois, perto da área, o regressado Alfonso e o ilusionista Capi, um sedutor médio ofensivo. O futebol é, no entanto, um jogo em que só o resultado é indiscutível. Para quem ama o belo jogo, porém, há verdades que, mesmo se às vezes perdem, também continuam a ser indiscutíveis: bom futebol só com respeito pela bola. Este Bétis, com todas as outras equipas de Víctor Fernández, é o exemplo perfeito desta ideia de futebol.
Luís Freitas Lobo, no jornal A Bola de 11 de Outubro de 2002
(artigo publicado com a autorização do autor)

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