terça-feira, 31 de março de 2009

IDEIAS SOLTAS

Divórcio anúnciado
Um amigo que escreve regularmente sobre futebol e que muito prezo tem vindo a fazer a apologia do «médio transportador de bola». O exemplo mais recente é o caso do Cristián Rodríguez no FC Porto. Segundo ele, uma das grandes evoluções tácticas da equipa de Jesualdo Ferreira desta época prende-se, precisamente, com o recuo de Rodríguez no terreno passando este a ser um quarto elemento no meio-campo portista que, quando a equipa ganha a posse de bola, se transforma no tal «médio transportador de bola». Apesar desta lógica não encaixar na minha concepção de jogo (de qualidade), nem na minha concepção de qualquer posição do meio-campo, não me custa aceitar que, em determinadas equipas, dentro de um padrão de jogo concreto, essa posição e função – essa subdinâmica – possa ser útil. Já me custaria aceitar se afirmasse que, para se jogar em transições ofensivas rápidas, como tende a ser o registo deste FC Porto, tal sub-dinâmica é necessária. Mas não é o caso, nem é sobre isso que eu quero hoje aqui falar.
Para chegar onde pretendo preciso de aqui trazer outra ideia que esse meu amigo defende e com a qual eu também me identifico. Pelo menos a este nível formal de abstracção, ela já parece caber no saco do meu jogar bem. A ideia de que a posição 6 é crítica para se jogar bom futebol, de que esta deve ser vista como um «farol». A posição de «pivô».
Ora, onde está o problema? Bem, o que me faz verdadeiramente confusão é o fazer-se, simultaneamente, apologia das duas posições/funções. O «médio transportador de bola» não casa com o «pivô», é como misturar alhos com bogalhos... A lógica do «médio transportador de bola» leva-nos para um jogar mais transportado que circulado, mais assente no deslocamento dos jogadores. Um jogar tendencialmente menos colectivo, que tende a olhar mais para a profundidade do que para a largura, que facilmente cai no aumento da distância entre linhas. Um jogar que, não raras vezes, cai na «vertigem do jogar rápido». A lógica do «pivô» leva-nos para... o oposto de tudo isto. Um jogar muito mais apoiado e circulado, assente num bom jogo posicional de todos os jogadores, onde o «pivô» é o epicentro de toda a dinâmica ofensiva colectiva, o tal «farol». Um jogar onde quem corre é, fundamentalmente, a bola, de pé para pé, ora curto, ora longo, onde se procura uma circulação criteriosa à largura para que a profundidade seja ganha com naturalidade e qualidade.
Não tenho dúvidas, tal casamento resultará em divórcio. A presença do «médio transportador de bola» tende a fazer desaparecer do jogo o «pivô». A posição 6 continua lá, mas aquela função concreta desvanece-se. O «farol» apaga-se. E a dinâmica colectiva transfigura-se... A tal ponto que, depois, ouvimos dizer: «Aquele jogador passou ao lado do jogo!». Será verdade? Ou terá sido o jogo a passar ao lado dele?...
E o facto de falar em «pivô» e não em «pivô defensivo» não é esquecimento nem gralha no texto. Porque se for defensivo, já não é «pivô». Poderá ser médio defensivo ou outra coisa qualquer, mas nunca «pivô». Porque a concepção de base é outra. O «pivô» é a posição nobre de um jogar todo ele perspectivado em função de uma organização ofensiva muito especial e, para grande pena minha, em vias de extinção. Há poucas, muito poucas, equipas a jogar assim. Há poucos, muito poucos, «pivôs» no futebol actual.
Uma curiosidade para concluir: a equipa que hoje melhor espelha esta forma peculiar de atacar subjacente à presença em campo de um «pivô» é o Barcelona, cujo treinador foi, talvez, o melhor «pivô» de todos os tempos, Guardiola. Será coincidência?...

Nuno Amieiro

2 comentários:

  1. Perfeitamente de acordo. A posição 6 na maior parte das equipas é de "encaixe" no 10 adversário.A defender e, sobretudo contra grandes equipas, em principio não existirá grande problema.Agora nas transições ofensivas este "6" na generalidade das equipas torna-se quase um jogador a menos sobretudo quando não temos 30 metros para jogar nas costas do adversário.
    Guardiola um primor. Actualmente Pirlo em sistemas de jogo diferentes.

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  2. Fica a pergunta... A que se deve o desaparecimento deste tipo de jogador?

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