segunda-feira, 20 de julho de 2009

FUTEBOL (COM) SENTIDO

O Futebol como a Coca-Cola

Fernando Pessoa dizia relativamente à Coca-Cola que “primeiro estranha-se e depois se entranha”. Trata-se de um slogan que, por muito estranho que possa parecer à primeira vista, tem total aplicabilidade no Futebol.

O Futebol é uma modalidade cuja especificidade funcional dominante implica partes do Corpo (de modo mais evidente, os pés) preteridas evolutivamente - tanto a nível motor como sensitivo – em detrimento de outras, de modo mais evidente as mãos, culturalmente mais requisitadas e, por conseguinte mais refinadas e desenvolvidas. Uma parte do Corpo que, com excepção para os guarda-redes, não contacta com a bola. Pode, assim, dizer-se que o Futebol «pede aos pés, aquilo que a evolução programou para as mãos», ou seja, a prática do Futebol cria inicialmente um conflito, isto é, estranha-se.

Não obstante este facto, o Futebol foi capaz de emergir, em pleno, da «geração do polegar» e constituir-se como um fenómeno único a nível global, que aglutinou, para o melhor e para o pior, multidões em seu redor. Deste modo, entranhou-se na sociedade. De notar, contudo, que esta paixão muito singular, além deste entranhar mais colectivo, também se entranha a um nível mais individual. Por isso, também os jogadores, devido à expressão regular da especificidade funcional da modalidade, entranham a sua gestualidade tão própria, sendo esta tanto mais sublime quanto mais entranhada estiver, isto é, quanto mais afastada se encontrar a estranheza inicial para com o objecto de jogo – a bola.

Note-se contudo, que a Qualidade e beleza do Futebol não se cinge, de modo algum, à relação com bola. Muito pelo contrário, a Qualidade de um jogar tem subjacente e implicada a Intencionalidade inerente à existência de tal objecto, de um objectivo e uma ideia de como fazer uso desse objecto, mesmo não o tendo (equipa ou jogador), e ainda de como atingir o objectivo do jogo. Trata-se de um projecto empático colectivo que é tanto mais rico, quanto mais contemplar a importância de uma funcionalidade, cuja intencionalidade subjacente assenta no desejo permanente de ter a posse da bola. Até porque como afirma Jorge Valdano “não há natação sem água”. O emergir de uma cultura ou desse tal projecto colectivo, não é simples. A construção da essência de um jogar – Táctica – não surge por geração espontânea, por isso também ela primeiro se estranha e somente depois se entranha.

A Periodização Táctica tendo como premissa a possibilidade desse entranhar, pretende fazê-lo de forma célere, mas não apressada, para que tal Intencionalidade se constitua como Cultura, ou seja, torne possível o entranhar consciente e prevalecente, mas não cristalizado de um jogar.

Curiosamente, ou não, a sensação que tive quando ouvi falar pela primeira vez sobre Periodização Táctica foi de estranheza, tendo verificado inclusive que se gerou em mim um conflito. Resistindo-lhe e à relutância inicial, verifiquei que se tornava em mim algo cada vez menos estranho. Desse modo, tal como o Futebol, também a Periodização Táctica primeiro se estranha e depois se entranha, o que não deve causar admiração, sendo inclusive a prova que contemplando a essência do jogo (InterAcção Intencional Específica) partilha com este também esta particularidade: primeiro estranha-se e depois entranha-se.

São várias as analogias possíveis de serem estabelecidas entre a Coca-Cola e a Periodização Táctica. Desde logo ambas se constituíram como rupturas relativamente ao que se pode considerar a norma. E daí a estranheza inicial. Os seus percursos iniciais não foram fáceis, muitas vezes ostracizados, tendo isto, por consequência, tornado mais consistentes tais transgressões. Caminhadas resistentes, que como tal as robusteceu, enfrentando e afrontando mitos estabelecidos, e em que tiveram de combater falsas verdades e deturpações que, por desconhecimento, mas sobretudo por inveja, foram surgindo em torno destas transgressões.

Apesar do génio de Fernando Pessoa não ter sido o responsável pela criação da Coca-Cola, permitiu-lhe criar o slogan que dando mote a este texto melhor a define. No que à Periodização Táctica diz respeito, também um génio se destaca, o Professor Vítor Frade, a pessoa que sabendo que o «parir de um jogar» é como a Coca-Cola, desenvolveu e sustentou uma Metodologia de Treino de Futebol que se assume diferente. E, quanto a mim, para melhor.

Em suma, a Periodização Táctica e a Coca-Cola têm em comum o facto de serem transgressões geniais com sucessos evidentes a que ninguém, por inveja ou reconhecimento fica indiferente.

Jorge Maciel

terça-feira, 30 de junho de 2009

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO

A necessidade de considerar os «testes» um tanto como os «bikinis», ou seja, mostram muita coisa mas não deixam ver o essencial!
Vítor Frade (1985)

terça-feira, 23 de junho de 2009

FUTEBOL (COM) SENTIDO

Parte IV
O emergir do Micro no Macro num Contexto Específico

Retomando a discussão em torno possível coexistência de pivôs e “médios transportadores”, questiono se a existência de um “médio transportador” não se coaduna com qualquer uma das posições do sector intermédio. Aceito sem qualquer problema tal concepção, contudo, não limitaria tanto, sob pena de ao limitar tornar limitativa uma determinada concepção de jogo.

No meu entendimento, não deverá ser hipotecada à partida a possibilidade da lógica do “médio transportador” emergir no seio do jogar de uma equipa. A existência, numa equipa, de um “médio transportador” ou de alguém que seja capaz de desempenhar tal função, sem que contudo esta se converta no primado da dinâmica colectiva da equipa pode ser, quanto a mim, útil à equipa em determinados momentos, uma vez que poderá dotá-la de outro tipo de soluções face a determinados tipos de padrões de problemas que os adversários podem colocar e que dificultam a lógica do pivô. De notar, contudo, que se tratará sempre de uma nuance estratégica (plano Micro) sem que, com isso, se observe a subversão daquele que é o jogar da equipa (plano Macro). Vejo tal possibilidade como um acrescento qualitativo a um determinado jogar, no sentido em que conferirá, à equipa, uma maior variabilidade. Poderá conseguir acelerar e desacelerar em passe, mas também em condução.

Voltando ao Cristián Rodríguez, será que faz sentido não explorar as suas potencialidades e singularidades? Tendo ele a singularidade de ser um transportador devemos reprimi-lo? Inequivocamente, tem qualidade e acrescenta à equipa coisas que os outros não conseguem acrescentar. Abdicamos então de tudo isso? Ou procuramos criar um contexto que lhe permita evidenciar tais singularidades, sem hipotecar a dinâmica e a organização colectiva? Para mim, a opção passará por tentar encontrar resposta para esta última questão. Tarefa mais difícil, mas talvez também mais proveitosa.

No início da época, Rodríguez, jogando como extremo, parecia-me um jogador trapalhão, demasiado sôfrego e posicionava-se sempre em zonas muito interiores, retirando largura à equipa no sector ofensivo e, por consequência, espaço e tempo aos jogadores deste sector. Na verdade, faltava-lhe espaço em profundidade para transportar e desequilibrar em drible. Ao partir de posições muito adiantadas pouco espaço tinha para explorar. Aquando da sua passagem para uma posição mais recuada, funcionando como “quarto médio”, conseguiu encontrar espaço para evidenciar as suas singularidades e mostrar a sua eficácia ao nível do transporte da bola. Não obstante a eficácia ao nível das transições ofensivas por parte da equipa, esta subdinâmica, pela sua exacerbação implicou que a equipa abdicasse da função de pivô em tais momentos, o que se repercute num jogar em que predomina a exploração cega das transições ofensivas por este meio.

Além deste aspecto, que leva o jogo a cair na "vertigem do jogar rápido" e não na lógica de jogar com a velocidade que o jogo exige, o facto de um jogador se assumir como referência nos momentos de transição tem implicações muito diversas e perniciosas para equipas que aspirem a um jogar circulado, dominador e controlador. Senão vejamos, ao assumir-se como referência na ligação da equipa às zonas mais adiantadas do terreno, tende a aproximar-se da zona da bola. Ora, isto tem implicações, como um desgaste acrescido deste jogador, a perda permanente de posição, com a agravante de roubar espaço e obrigar os demais jogadores a reajustarem e, por arrasto, a saírem das suas posições, com especial relevância para o pivô que, por ser obrigado a tal, deixa de o poder ser.

Note-se, ainda, que o recuo de Rodríguez para iniciar tais acções, apesar de lhe permitir ter mais espaço para explorar através do transporte de bola, obriga-o a jogar em zonas muito distantes da baliza, desgastando-se em corridas sucessivas e cuja eficácia poderia ser maior caso as iniciasse um pouco mais à frente, mas não na mesma linha dos jogadores mais adiantados. Desse modo, permitiria que o pivô pudesse jogar no seu espaço e que os jogadores mais adiantados tivessem mais espaço a explorar, e a abrir para possíveis entradas deste jogador que, aparecendo lá – e não partindo de lá – criaria maiores constrangimentos aos adversários.

Penso que, se Rodríguez crescer a este nível, ou seja, se for capaz de reconhecer os espaços a ocupar e a explorar, e se a equipa do FC Porto quiser não hipotecar a lógica do pivô, poderá fazê-lo. Não com Fernando a exercer tais funções, mas com Raul Meireles, um jogador que joga o jogo todo, que tem critério tanto com bola como sem bola, e que poderá dar à equipa um acrescento qualitativo significativo no desempenho de tais funções.

Por isso, considero que a presença do pivô e de um “médio transportador” não tem, necessariamente, que resultar num divórcio. Entendo mesmo que poderá ser um casamento feliz e fértil. Fértil no sentido de poder parir um jogar de qualidade. O desafio passa pela criação de uma dinâmica colectiva que possibilite tal casamento. O que implica que o jogar da equipa, mesmo assentando na lógica do pivô, isto é, reconhecendo preponderância e primazia a este jogador, possibilite o emergir, num contexto específico, e tendo em consideração um determinado padrão de problemas, das potencialidades do “transportador”. Trata-se, deste modo, de não renunciar às subdinâmicas do “médio transportador”, mas sim de aproveitá-las para a dinâmica colectiva. Tendo como âncora a presença do pivô. Perspectivando de modo correcto aquilo que é o plano Macro e o Plano Micro do jogar de uma equipa!

Jorge Maciel

segunda-feira, 15 de junho de 2009

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO

Toda a diferença está na concepção de quem enaltece o supérfluo e não o essencial: o esforço só faz sentido quando se joga verdadeiramente; o músculo só conta se o cérebro estiver a funcionar; a velocidade só tem importância se quem a utiliza souber travar, tal como a coragem só serve de arma enquanto houver gente com medo.
Rui Dias (2002)

terça-feira, 9 de junho de 2009

VALE A PENA LER DE NOVO

Hotel Chelsea
Não sou agarrado a conceitos. No entanto, aquilo que leio faz-me reflectir sobre assuntos que para muitos são conceitos transformados em verdades absolutas. Desculpem-me os que são crentes, mas para nós não passam de vocabulário desactualizado.
Refiro-me a conceitos como treino físico, preparação física, pastas de preparação física, entre outros. Não critico quem pensa desta forma. Critico quem compara o nosso processo com outros processos. Os processos de treino e competição são todos diferentes. Para nós é uma questão de concepção, mas mais do que isso é uma questão de “operacionalização”.
Começo por dizer o que tenho dito noutras alturas: não tenho preparador físico, pelo que não posso ter pastas de preparação física, pois como líder responsável pelo processo não teria pasta para lhe dar! Tenho sim colaboradores no processo de treino e jogo, com funções muito específicas, de acordo com as necessidades de gestão de uma época longa. Tudo se relaciona com a forma como treinamos. Não temos espaço para o treino físico, isto é, não temos espaço para os tradicionais treinos de resistência, força ou velocidade. É tudo uma questão de comportamentos! Exercitamos o nosso modelo de jogo, exercitamos os nossos princípios e subprincípios de jogo, adaptamos os jogadores a ideias comuns a todos, de forma a estabelecer a mesma linguagem comportamental. Trabalhamos exclusivamente as situações de jogo que me interessam, fazemos a sua distribuição semanal de acordo com a nossa lógica de recuperação, treino e competição, progressividade e alternância. Criamos hábitos com vista à manutenção da forma desportiva da equipa, que se traduz por um frequente “jogar bem”.
Sei que é uma questão difícil de desmontar sob o ponto de vista cultural. Além do mais existem pessoas, por direito próprio, a pensar de forma radicalmente oposta. Mesmo para os que dizem treinar com situações de jogos reduzidos, porque mesmo esses vivem agarrados e obcecados com tempos de exercitação, de repouso, repetições, etc. Todas estas questões são para nós “acessórias”. O que é crucial é mesmo o conteúdo de princípios de jogo inerentes a cada exercício e a relação interactiva que estabelecemos com o mesmo. O que é mesmo fundamental é entender que aquilo que procuramos é a qualidade de trabalho e não a quantidade, treinar para jogar melhor.
José Mourinho, na revista Record DEZ de 15 de Outubro de 2005

segunda-feira, 8 de junho de 2009

OPINIÃO

Perceber a diferença
por Carlos Campos

Ao realizar o ritual habitual de vasculhar memórias, felizmente ainda recentes, das aulas de Metodologia de Futebol do Professor Vítor Frade, encontrei uma crónica de Mourinho para a revista Record DEZ de 15 de Outubro de 2005 onde este procura desmontar uma série de conceitos chave em redor do seu entendimento acerca do Treino. Recordo-me bem de algumas polémicas geradas em torno destas questões, muitas dúvidas e mal-dizer que ainda hoje persistem naqueles que, por maldade ou incapacidade, não aceitam a diferença relativamente a uma forma de operacionalizar o processo de Treino. Depois disto já muita tinta correu, mas esta crónica não perdeu pertinência e este parece-me ser o espaço de eleição para a reavivar. Da minha parte atrevi-me a analisá-la à luz daquilo que acredito, interpreto e julgo saber.

(...) Desculpem-me os que são crentes, mas para nós não passam de vocabulário desactualizado.
Refiro-me a conceitos como treino físico, preparação física, pastas de preparação física, entre outros. Não critico quem pensa desta forma. Critico quem compara o nosso processo com outros processos. Os processos de treino e competição são todos diferentes. Para nós é uma questão de concepção, mas mais do que isso é uma questão de “operacionalização”.
Começo por dizer o que tenho dito noutras alturas: não tenho preparador físico, pelo que não posso ter pastas de preparação física, pois como líder responsável pelo processo não teria pasta para lhe dar! Tenho sim colaboradores no processo de treino e jogo, com funções muito específicas, de acordo com as necessidades de gestão de uma época longa. Tudo se relaciona com a forma como treinamos. Não temos espaço para o treino físico, isto é, não temos espaço para os tradicionais treinos de resistência, força ou velocidade. É tudo uma questão de comportamentos! (...)


Logo a abrir, Mourinho tem como primeira preocupação separar aquilo que é manifestamente oposto. Embora os mais distraídos ou menos lúcidos insistam em usar o mesmo rótulo para o treino de Mourinho e para o treino dos demais, isso encerra um erro tanto mais grave quantas mais são as vozes que procuram, pacientemente, explicar que existem diferenças abissais tais como as que permitem a distinção entre a densa Floresta Amazónica e o arenoso Deserto do Saara. Mesmo assim, a maioria continua a cair no erro de passear de camelo na Amazónia, daí a necessidade que Mourinho sentiu em, pela enésima vez, marcar aquilo que distingue a sua metodologia das demais.

Uma dessas marcas é, indubitavelmente, a ausência de “pastas de preparação física”, pois, na periodização do treino, Mourinho direcciona as suas preocupações noutra frequência. Contudo, esse referencial “físico” está de tal modo enraizado no treino desportivo em geral, e no Futebol em particular, que poucos são aqueles que conseguem entender, de uma vez por todas, que é possível haver alguém com sucesso estrondoso tendo como referência para o seu trabalho diário outra dimensão que não a física. E se são poucos os que entendem que é possível trabalhar desta forma, são ainda menos os que conseguem compreender o que está inerente a esta metodologia. E menos ainda aqueles que, depois de cumprirem as condições atrás enunciadas, conseguem operacionalizar o Treino segundo as demandas da Periodização Táctica. Reside aqui a explicação para o facto de Mourinho dizer que, antes de uma questão de operacionalização, é uma questão de concepção, pois a distância para o entendimento e aceitação desta metodologia é ainda de tal ordem gigantesca que não faz sequer sentido colocar a ênfase na operacionalização. Para se lá chegar ainda é preciso interiorizar que existe este conceito, esta metodologia, esta forma de pensar o Treino!

Os “colaboradores do processo de treino e de jogo” que Mourinho fala seguem a lógica de uma metodologia amplamente virada para a melhoria do “jogar” da equipa sendo a referência desse “jogar bem” o modelo de jogo definido e diariamente trabalhado. Isto é bem diferente de ter uma pessoa responsável pela componente física, pois aí a referência é outra e passamos a falar numa forma de periodizar o treino que nada tem a ver com aquilo que o então treinador de Chelsea defende. Não é somente uma questão de vocabulário. Não! É muito mais que isso!

(...) Exercitamos o nosso modelo de jogo, exercitamos os nossos princípios e subprincípios de jogo, adaptamos os jogadores a ideias comuns a todos, de forma a estabelecer a mesma linguagem comportamental. Trabalhamos exclusivamente as situações de jogo que me interessam, fazemos a sua distribuição semanal de acordo com a nossa lógica de recuperação, treino e competição, progressividade e alternância. Criamos hábitos com vista à manutenção da forma desportiva da equipa, que se traduz por um frequente “jogar bem”. (...)

O “jogar” torna-se, assim, o aspecto central de todo e qualquer processo metodológico e é em torno dele que tudo se desenvolve. A compartimentação de treino técnico, treino táctico e treino físico é algo que Mourinho não faz. O treino é sempre totalmente integral (o que é diferente de integrado!). Os ditos factores são integrados na medida em que todos os exercícios têm um objectivo táctico que os estrutura. A manipulação das condicionantes tempo, espaço, regras, etc, exercem também uma influência fundamental. Os fins estão sempre nos jogos! A predominância táctica é sempre trabalhada no contexto próximo da realidade e assim aparece o físico e o técnico mais específicos. A especificidade está presente quando, sendo capazes de caracterizar os princípios de jogo, o sistema que se vai privilegiar e as características dos jogadores que temos, actuamos sobre cada uma das nossas preocupações.

O modelo de jogo definido é constituído por princípios, subprincípios e sub-subprincípios de jogo e é sobre a melhoria destes comportamentos que se direcciona todo o processo de treino e aqui a melhoria diz respeito a tudo que os envolve sendo que, no final, o que se pretende é que todos os compreendam e interpretem eficazmente, traduzindo-se isso na “mesma linguagem comportamental” de que Mourinho fala. Esta lógica adquire uma complexidade tal que seria impensável estar a misturar isto com referenciais físicos.

A lógica de recuperação, treino e competição assenta na progressividade e alternância horizontal. Aprofundando ligeiramente estes dois conceitos podemos dizer que a ideia de progressão tem a ver com o modo como se passa de uns dias para os outros ser diverso, sendo que isso tem consequências evidentes. Isto resulta da circunstância de nos diferentes dias se trabalharem diferentes coisas, ou seja, há uma alternância, mas uma alternância horizontal: em cada dia trabalham-se coisas diferentes do “jogar” que se pretende.

O outro princípio que rege a Periodização Táctica é o princípio das propensões e consiste, sucintamente, na contextualização de determinadas coisas para que aquilo que se quer que aconteça, aconteça mais vezes. Isto é, concebe-se determinado contexto com o intuito de que ele conduza a determinado comportamento desejado.

O “jogar bem” de que nos fala Mourinho não é um “Jogar Bem” universal mas sim referenciado àquilo que se inscreve no seu modelo de jogo. Cada treinador almeja que a sua equipa jogue de determinada forma, contudo o caminho que cada um segue em busca do cumprimento dos comportamentos concordantes com o que o treinador pretende é que diverge substancialmente. Mourinho faz questão de assumir e explicar a metodologia que segue de modo a que as confusões e sobreposições indevidas desapareçam definitivamente.

(...) Sei que é uma questão difícil de desmontar sob o ponto de vista cultural. Além do mais existem pessoas, por direito próprio, a pensar de forma radicalmente oposta. Mesmo para os que dizem treinar com situações de jogos reduzidos, porque mesmo esses vivem agarrados e obcecados com tempos de exercitação, de repouso, repetições, etc. Todas estas questões são para nós “acessórias”. O que é crucial é mesmo o conteúdo de princípios de jogo inerentes a cada exercício e a relação interactiva que estabelecemos com o mesmo. O que é mesmo fundamental é entender que aquilo que procuramos é a qualidade de trabalho e não a quantidade, treinar para jogar melhor.

Culturalmente, e conforme já foi acima explicado, o referencial físico no treino é tido como universal e inquestionável, pois quase todos os trabalhos científicos publicados versam sobre esta temática. De facto, conforme diz Mourinho, existem “pessoas a pensar de forma radicalmente oposta”, mas importa salientar que a estrutura científica convida a trabalhos facilmente quantificáveis, de preferência com valores numéricos e, aí, entra o “publish or perish”, a pressão da publicação “obrigatória”. Tudo puxa para o mesmo lado e mesmo com o sucesso que Mourinho tem conseguido, poucos são os que realmente conseguem ir ao cerne da base que o sustenta, pois vivemos rodeados por conceitos bloqueadores de tal compreensão.

Por fim, Mourinho faz mais uma vez questão de deixar bem vincado que não tem nada contra as outras metodologias, sendo sua única intenção não permitir que essas se confundam com a “sua”. Neste contexto, surge a alusão ao treino integrado que, sistematicamente, surge como sendo aquilo que Mourinho faz. Os menos alertados para as questões desta metodologia julgam que arranjar um contexto jogado e, a partir daí, prolongá-lo mais ou menos tempo, intervalá-lo, promovendo alterações no espaço e no tempo visando solicitar mais ou menos este ou aquele sistema energético estão a operacionalizar a Periodização Táctica. Nada mais errado! Isto conduz-nos à ideia da preparação física com bola o que nos remete para o Treino Integrado onde a principal referência continua a ser o físico.

Quem efectivamente operacionaliza o treino segundo os pressupostos da Periodização Táctica tem como grande preocupação a operacionalização de uma ideia de jogo, ou seja, aquilo que mais marcadamente distingue a Periodização Táctica das demais é o facto de ter em conta o modelo de jogo o que, em termos de complexidade, ultrapassa largamente o ter em conta somente a modalidade. O entendimento de que, em competição, a organização de jogo é o que marca verdadeiramente a diferença. Daí que seja a dimensão táctica (não uma Táctica abstracta, mas os princípios de jogo) a coordenar todo o processo de treino semanal.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Viva a mediocridade reinante

O mundo em que vivemos é tão grande que possibilita espaço para todos. Até para aqueles que se acham no direito de utilizar, indevidamente, o trabalho dos outros para benefício próprio, sem o mínimo de respeito ou vergonha.
Vem isto a propósito de uns certos iluminados que, sem qualquer tipo de autorização e respeito pelos direitos de propriedade intelectual dos autores implicados, resolvem copiar os conteúdos deste espaço e colocá-los noutros espaços como se de propriedade sua se tratasse.
Já nem vou falar nesse ponto de bom senso e de civismo que é o pedir autorização. O mínimo seria identificar o autor e a fonte/espaço de onde o conteúdo foi retirado, mas não, esta espécie de terrorismo intelectual deve-lhes saber melhor...
Sinceramente, como não me vejo a fazer coisas deste género, nem sei o que passará na cabeça destes senhores... Não terão consciência de que o que fazem é ilegal? Ou estar-se-ão simplesmente a borrifar para os direitos de quem trabalha em prol de um projecto que está disponível a todos a custo zero?...
Medíocre, decadente, oportunista, vergonhoso, revelador de falta de decência e de consideração, já para não falar de falta de ideias próprias de qualidade ou originalidade...
Mas, como referi no início, o nosso mundo é grande e, portanto, cabemos cá todos. Até os medíocres, os pseudo-iluminados, os chicos-espertos,...
Nuno Amieiro

PS - não me faz confusão, bem pelo contrário, que as pessoas, pelo interesse que um qualquer texto lhes suscite, o resolvam copiar para guardar ou até publicar noutro espaço onde possa chegar a mais pessoas... mas há formas e formas de o fazer!!!...

terça-feira, 2 de junho de 2009

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO

Cada vez maior o convencimento de que os conceitos de que normalmente nos servimos para conceber a «REALIDADE» estão mutilados e conduzem a acções inevitavelmente mutiladoras.
Vítor Frade (1985)

sexta-feira, 29 de maio de 2009

OPINIÃO

“Um Reino Mágico de Fantasia”
SER(á) no treino?!

por Mara Vieira

Era uma vez um “reino mágico de fantasia” onde tudo acontecia: correr, saltar, trepar, cair, gritar, rebolar, sorrir… Nesse reino onde tudo era possível havia vários tempos e espaços onde meninos e meninas agiam espontaneamente num imenso espectáculo de imagens e sensações. Era o reino do faz de conta, no qual a bola era o objecto mais amado com o poder de encantar e hipnotizar. Assim, sem se saber como nem porquê eis que todos se preparavam, dia após dia, para mais uma celebração: “Ir jogar à bola”. As leis desta celebração eram a do “contágio” em torno do objecto amado e a da “atracção” pelo qual todos se reuniam em comunhão. Também, comungavam da mesma vontade: viver e criar momentos de fantasia. O(s) celebrante(s) era(m) eleito(s), naturalmente, pelo poder do que evocavam: fintas, dribles, simulações... Verdadeiras “fórmulas mágicas”! Emergia, assim, uma simpatia pelas formas imitativas e miméticas que convertiam o celebrante no próprio poder que ele conjurava.

Era o maravilhoso reino da infância onde tudo era mágico! Onde, inconscientemente, se viviam as primeiras experiências, talvez as mais antigas do encontro do Homem com a fantasia criativa da sua cultura. Partindo destas recordações e vivências, mas, fundamentalmente, pelo trabalho desenvolvido nos últimos anos com jovens jogadores, arrisco dizer que é urgente reequacionar a concepção e intervenção no treino de crianças/jogadores sob pena de “matar” em vez de fazer “desabrochar”.

Para isso, o treinador não deve ser um técnico armado de conceitos, tantas vezes abstractos (como, por exemplo, “jogar em bloco”, “jogar nas e entre linhas”, “manter o equilíbrio da equipa”,...), mas um contador de histórias que contempla e respeita o “reino mágico de fantasia” fazendo do processo de treino e do jogo uma história interminável, na qual cada criança/jogador parte das suas potencialidades e da sua singularidade rumo à transcendência.

A história que se conta, também ela singular, é o nosso jogar! E é a que quisermos!... “Era uma vez uma equipa que tinha um castelo onde ninguém podia entrar. Nesse castelo havia uma princesa (baliza), que tínhamos que salvar dos maus (adversários), mas também havia guardas e dragões. Os guardas protegiam as portas e janelas e os dragões estavam no meio do castelo para expulsar os que se atrevessem a entrar…”. E as crianças, pelo menos as mais novas, entendem bem a linguagem dos símbolos dos contos. São elas que inventam no seu dia-a-dia o jogo do “faz de conta” e tantos outros que as divertem e distraem em tempos vividos entre a imaginação e a realidade. Assim, ainda que a criança necessite de contrapontos para situar a sua própria vivência e o seu equilíbrio talvez não se deva “explicar” o sentido dos “contos”. As imagens e as acções são “as palavras explicativas”.

Príncipes, fadas, duendes, castelos, casas, florestas enormes…”ronaldos”, “messis”, “robinhos”, “zidanes”… guardar portas e janelas…. São imagens e acções simbólicas que oferecem a possibilidade da(s) criança(s) sair(em) vitoriosa(s) do “conto” - o nosso jogar - desde que a linguagem toque directamente no inconsciente, ajudando-a(s) a colocar(em) ordem no seu mundo interno. Ao ouvir um conto ocorre, ou não, a identificação. Se ele for condizente com a situação interna, a identificação é imediata e dá forma para enfrentar as dificuldades. Paralelamente, enriquecem-se as brincadeiras que dão forma ao(s) desejo(s): SER jogador de futebol!

A imaginação da criança constrói-se com símbolos extraídos da realidade, que reforçam as suas estruturas e alargam os seus horizontes, desde que num ambiente rico de impulsos e de estímulos. Como refere Jung, “Quando crianças, vivemos num mundo mágico e mitológico porque para além dos instintos e impulsos, somos arrebatados pela imaginação”. Penso que é a imaginação que dá as crianças aquele brilho nos olhos, um tom rosado nas bochechas, os sorrisos e os comportamentos espontâneos e inesperados. E é nesse momento que elas fazem qualquer pedrinha virar uma bola encantada brincando com “o conto” em qualquer espaço: nos jardins, na rua, em casa…

Neste sentido, promover a brincadeira no treinar é fundamental, não pela simples recordação de impressões vividas, mas pela reelaboração criativa do nosso jogar. Um processo através do qual a criança combina entre si os dados da experiência para construir uma nova realidade, que responde às suas curiosidades e necessidades. Todavia, “é preciso que disponha de tempo livre para inovar e tomar iniciativas sem precisar, a toda a hora, da autorização de um mestre para lhe indicar um bom caminho”, diz-nos Étienne Guillé. Uma parte difícil de assumir pelo treinador, uma vez que tem que estar preparado para aceitar formas de espírito muito diferentes da sua. Portanto, há que deixar de papaguear expressões como: “vai, vai”, “depressa, depressa”, “joga atrás, agora à frente”, “chuta que não tens ninguém”, “finta”, “joga na raça”, “queima terreno”. Como já aqui alertou Vítor Frade, “só faz sentido existir o treinador se este for interventivo, mas interventivo no sentido de catalisador da apreensão de tudo aquilo que é conveniente e importante para o crescimento do processo”.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO

"Este Barça, y de ello me alegro, ha impuesto un estilo de juego que ha provocado millones de elogios en todos los rincones del mundo. Y ha escrito, con letras grandes y de oro, el mensaje de texto más difundido del 2009: se puede ganar jugando bonito, dando espectáculo. Copien esta propuesta. Si se atreven."
Johan Cruyff, em elPeriódico.com a 28 de Maio de 2009

VALE A PENA LER DE NOVO

Responder à pressão
A receita avançada para o jogo do Bessa não era nova: “O Sporting joga bom futebol, mas tem de fazer um jogo de sacrifício”; “É preciso que os jogadores leoninos corram tanto ou mais do que os adversários”; “O Sporting tem de aliar um grande espírito de sacrifício e de luta à boa capacidade técnica que possui”. Lugar comum, ou não se tratasse de um jogo com o Boavista.
Peseiro, coerente, contrariou esta lógica do “temos de jogar com as mesmas armas do adversário para ganhar o jogo” e respondeu noutro registo... com qualidade de jogo!
O Boavista, invariavelmente, procura primeiro não deixar jogar, utilizando até à exaustão um “pressing” homem a homem. Pacheco chama-lhe “jogar em pressão”.
Porém, frente ao Sporting, a sua usual eficácia desapareceu e ficou à vista uma grande desorganização defensiva. Porquê? Porque o Sporting respondeu com circulação de bola, mobilidade, trocas posicionais e rapidamente colocou a nu as muitas fragilidades e incoerências do “pressing” quando perspectivado homem a homem.
Para ter eficácia, Pacheco teria de fechar a equipa e partir para uma pressão colectiva, zonal. Mas as suas referências defensivas são outras... E percebe-se a “vertigem” pelo “fisicismo”. Alguma coisa tem de compensar tal (des)organização.
Com uma equipa que se esforça por não deixar jogar e que não se coíbe de cortar em falta qualquer lance mais ousado, a solução ajustada não é “correr tanto ou mais que o adversário”... É fazer correr a bola, não fixar o alvo da pressão adversária, não lhe dar tempo de fazer falta! Sobretudo na primeira parte, Peseiro deu uma aula de como jogar contra equipas com as características do Boavista de Jaime Pacheco.
Já hoje, o “jogo de pressão” do Boavista pode voltar a ser extremamente eficaz. Sem a alta circulação de bola de outrora, o FC Porto que se cuide...
Nuno Amieiro, na revista Record DEZ de 9 de Abril de 2005

segunda-feira, 25 de maio de 2009

A frase anterior pertece a Guardiola. Foi assim que se referiu, certo dia, a Iniesta.

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO

Não usa brincos, não tem tatuagens, tem o cabelo curto, não embirra por jogar apenas vinte minutos e, no entanto, é o melhor de todos.
Guardiola

sexta-feira, 22 de maio de 2009

PERIODIZAÇÃO TÁCTICA, o que nos diz Vítor Frade

Tempo para treinar (II)
"Para o treinador, um dos grandes problemas é o tempo. Ele não tem muito tempo. Não se pode treinar muito tempo. Quando muito, o treino de quarta-feira pode ir além da hora e meia, mas os restantes é conveniente que não a ultrapassem."
Frade (1998)

quinta-feira, 21 de maio de 2009

FUTEBOL (COM) SENTIDO

Parte III
Pivô e ponto final

Embora não seja obcecado por preciosismos terminológicos, penso que o uso acertado dos termos, tendo em conta aquilo que estes se propõem representar, é de grande importância e, no caso do pivô, poderia evitar alguns dos muitos mal entendidos que se verificam em torno de tal função. De facto, não raras vezes, verifica-se um recurso indiferenciado e desajustado dos termos “pivô defensivo”, “pivô ofensivo”, “trinco” e “pivô”.

Ora, por definição, um pivô é “um eixo vertical fixo à volta do qual gira uma peça móvel”. Se olharmos para aquela que é, de momento, a equipa que denota maior qualidade de jogo a nível internacional, o Barcelona, verificamos, tal como é salientado no texto “Um divórcio anunciado”, que se trata da “equipa que melhor espelha esta forma peculiar de atacar subjacente à presença em campo de um pivô”. Guardiola, parecendo evidenciar no banco a mesma lucidez que mostrava em campo, mostra-nos que o desempenho bem sucedido da função de pivô é determinante para a dinâmica colectiva da equipa. E, para mim, somente em equipas onde o pivô é a grande referência faz sentido, de facto, tal designação, visto que é à sua volta que gira uma peça móvel: um determinado jogar.

Embora na definição de pivô este seja sugerido como algo fixo, importa perceber que, no Futebol, esta ideia de fixo não deve ser entendida como um fixo estático. Confuso? Talvez um pouco. Mas passo a explicar. Este “fixo” (para mim o mais posicional de todos os jogadores) tem de ser relativizado, devendo ser entendido como uma referência permanente do jogar da equipa, o tal “farol”. Isto é, tal como um farol, o pivô deve ser uma referência de segurança, alguém que ilumina o jogar da equipa e que, apesar de uma acção e funcionalidade aparentemente intermitente (porque não tem sempre a bola), a sua luz nunca se apaga, está sempre presente, surgindo para dar luz aos companheiros. Caso essa luz não fosse intermitente, estaríamos a deturpar aquela que é, para mim, a essência do Jogo. Isto é, se essa luz brilhasse sempre, seria a expressão de um jogar em que a equipa se subjuga ao jogador e não a expressão de uma equipa onde o pivô, pelo seu potencial, confere equilíbrio, clarividência e qualidade à organização colectiva.

Importa ainda esclarecer que, como tão bem afirma Vítor Frade, o pivô deve ser um “farol” e não um “pirilampo”. Poderá pensar-se que me estou a contradizer, porque afinal um farol, tal como um pirilampo, também emite uma luz intermitente. No entanto, o tipo de intermitência de um é diferente da do outro. Isto é, enquanto que a intermitência do “farol” é regular e, por isso, benéfica para a equipa, a luz intermitente do “pirilampo” é esporádica e irregular, intermitente de um modo indefinido, não podendo, por isso, ser uma referência para a equipa. Mesmo que, por vezes, essa luz possa até ser mais intensa do que a de um “farol”. Mas isso não passa de um fogo de vista que acaba por nos iludir. Se eu estiver no mar perdido e vir um farol sei que, quanto mais perto me encontrar deste, mais próximo estou de terra. Contudo, se estiver perdido numa pradaria e vir a luz de um pirilampo e a seguir, irei para onde este quiser. Esta é a grande diferença entre os “faróis” ou “rosas-dos-ventos” e os “pirilampos” ou “cata-ventos” do Futebol! Enquanto os primeiros centram a sua acção num referencial colectivo de jogo, a Cultura de jogo da equipa, os “pirilampos” centram o jogo nas suas acções ou, no caso dos “cata-ventos”, a sua acção no jogo do adversário, acabando ambos por levar a equipa atrás de si, podendo daí, de uma forma linear, advir algumas vantagens, mas também, seguramente, muita instabilidade.

Ainda relativamente às designações de “pivô defensivo” e “pivô ofensivo”, quero realçar que a acção do pivô se centra no jogo, não em atacar, defender ou transitar. O Jogo é “Inteireza Inquebrantável”, logo não faz qualquer sentido este tipo de designações. Pivô é pivô do jogo, do jogo todo e, como tal, as suas funções não se esgotam em defender, atacar ou transitar. Em suma, pivô e ponto final.

Tal como o Nuno Amieiro, também eu me lamento que existam poucas, muito poucas, equipas a jogar neste “comprimento de onda” e poucos, muito poucos, pivôs no futebol de hoje. A prova de que quantidade não é sinónimo de qualidade e de que aquilo que é norma nem sempre interessa. Junto-me a tal murmúrio e acrescento que além deste crime se observam outros no Futebol actual. Por exemplo, ver que jogadores de enorme qualidade e mestres a actuar numa posição e função de tanta especificidade, como a de pivô, são por vezes colocados em posições e funções diferentes. Veja-se o caso de Pirlo. Que desperdício vê-lo jogar regularmente em diferentes posições.

Jorge Maciel

terça-feira, 19 de maio de 2009

OPINIÃO

A lição teórica de Guardiola
por Nuno Amado

O futebol do Barcelona 2008/2009 não deixou ninguém indiferente. Enquanto uns ficaram absolutamente rendidos, outros reagiram de forma mais reservada, considerando que numa competição mais exigente do ponto de vista atlético, como é a Liga Inglesa, por exemplo, esta filosofia teria pouco sucesso. Sem nunca se ousar colocar em questão a qualidade de jogo da equipa catalã, surgiu a velha dicotomia beleza/utilidade e muitos foram os que fizeram a defesa da tese de um Barcelona demasiado “macio”, menos pragmático do que o desejado e servido por um conjunto de jogadores que carecia de músculo. Dizia-se que, em encontros contra equipas atleticamente superiores e assaz competentes do ponto de vista táctico, este Barcelona não se conseguiria impor e que, apesar de praticar o mais belo futebol da Europa, esta não era a forma mais eficaz de se ter êxito.

Em primeiro lugar, há que dizer que num jogo de futebol, como em qualquer outro jogo, o belo é sinónimo de bom. Isto porque em qualquer coisa com um objectivo tão claro, como é o caso do futebol, é impossível aceitar que algo que não possa produzir consequências práticas possa ser belo. Depois, o erro crasso é acreditar que falta músculo a este Barcelona. É evidente que, em termos atléticos, esta equipa não é tão capaz como as grandes equipas europeias, mas o erro está em presumir que uma equipa de sucesso, no futebol actual, necessita impreterivelmente dos melhores atletas, no sentido em que estou a utilizar o termo. A musculatura desta equipa existe, ao contrário do que se pensa, embora seja de outra ordem.

É verdade que este Barcelona é tudo isto com que o caracterizam. Mas nenhuma dessas características tem necessariamente de ser um defeito. E esta é a grande lição de Guardiola. Numa altura em que, muitos pensam, se parece caminhar para um desporto cada vez mais musculado, no qual a força física e as capacidades atléticas são decisivas, este Barcelona vem deitar por terra essa ideia. O bom futebol, o melhor futebol, é aquele que é jogado com a cabeça, aquele que dá preferência aos atributos intelectuais. O futebol de hoje é um jogo de pouco espaço. Para muitos, tendo em conta essa evidência, os jogadores mais aptos serão, portanto, os mais rápidos, os tecnicamente mais evoluídos e os mais fortes. Se há coisa que este Barcelona vem provar é que isso, em rigor, não tem de ser assim. Os mais aptos são os mais inteligentes, os que decidem mais rapidamente, os que conseguem "fabricar espaços", os que possuem maiores índices de criatividade, etc.

É inegável que esta equipa joga um bom futebol, mas a sua grandeza não se esgota aí. Mais do que uma excelente ilustração de bom futebol, trata-se de uma verdadeira lição teórica sobre o jogo. Por trás desta equipa está um conceito que vem quebrar não só com muitos dos paradigmas actuais como também vem contradizer ideias e conceitos que, ao longo do tempo, foram elevados ao estatuto de dogma. Enquanto grande parte dos treinadores diz aos seus laterais para nunca jogar no meio, pois é mais arriscado do que jogar em profundidade na linha, este Barcelona postula o contrário. Os laterais devem jogar no meio, porque é no meio que a possibilidade de criação de apoios é maior e porque é regressando ao meio que as possibilidades de escapar ao “pressing” do adversário aumentam. Enquanto grande parte dos treinadores diz aos seus jogadores para não saírem a jogar caso o adversário pressione muito alto, pois é perigoso, este Barcelona não o admite, seja em que situação for. Um excelente exemplo desta “teimosia” foi a final da Taça do Rei. O Athletic de Bilbao optou, sobretudo depois de se encontrar a perder, por pressionar altíssimo, aquando dos pontapés de baliza do Barcelona. A ideia era fazer com que os defesas catalães não tivessem espaço para receber a bola e obrigá-los a jogar a contragosto, com saídas com pontapés longos. O Barcelona não fez caso disto e, ainda que a grande maioria dos treinadores desaconselhasse a sua equipa a sair a jogar nessas condições, saiu sempre a jogar. Com o auxílio dos laterais e do médio-defensivo, que baixou para servir de apoio, a equipa trocava assim a bola dentro da própria grande área, utilizando toda a largura do campo para criar linhas de passe, até que esta chegasse a uma das linhas. Nessa altura, um médio ou o extremo baixava para servir de apoio vertical e, recebendo a bola do lateral, entregava-a de imediato no médio-defensivo, ficando concluída a saída de bola. Alternadamente, dependendo da forma como o adversário pressionava, saíam também pelo meio, depois de conseguirem puxar os adversários para uma faixa e fazendo regressar a bola rapidamente aos centrais. O que é certo é que nunca desvirtuaram a sua maneira de jogar, mesmo correndo riscos tão elevados. Enquanto grande parte dos treinadores diz que não quer "rodriguinhos", que a equipa tem de ser objectiva, que um passe para trás só se faz em caso de aperto e que uma ideia de progressão deve estar sempre presente quando uma equipa troca a bola, este Barcelona vem dizer que isto não é bem assim e que nem sempre é para a frente que se joga, que a objectividade, quando excessiva, se transforma em previsibilidade. Este Barcelona, como joga, torna-se difícil de parar porque nunca se sabe por onde vai entrar, porque o seu futebol não se limita a fazer o mais simples, o mais objectivo, sendo, pelo contrário, complexo e imaginativo. Enquanto grande parte dos treinadores diz aos seus jogadores que qualquer nesga para chutar à baliza deve ser aproveitada, este Barcelona refuta essa velha máxima e Guardiola já disse mesmo que prefere que os seus jogadores, mesmo dentro da grande área, troquem a bola em vez de chutar à baliza. A ideia é concluir o lance apenas quando as possibilidades de êxito são consideravelmente boas.

Por tudo isto, este Barcelona, mais do que uma equipa que pratica um futebol agradável, mais do que uma rara excepção de sucesso com armas diferentes, mais do que um exemplo de bom futebol, fundamenta-se na destruição de predicados ancestrais. Representa uma autêntica reformulação teórica do jogo. E é algo que, perdurando, pode contribuir para modificar a mentalidade que, nos dias que correm, domina o jogo.
Aqueles que têm por hábito ler os comentários que regularmente vão sendo publicados neste espaço, sabem que eu convidei um seguidor anónimo a "retocar" um comentário que aqui tinha deixado. Fi-lo por achar que o texto em causa merecia, pelas ideias expressas e pela forma como estava escrito, outro lugar de destaque que não o dos comentários. Pois bem, para grande satisfação minha, o Nuno Amado, de Lisboa, aceitou o convite e "retocou" o texto que agora é publicado na secção OPINIÃO. A não perder...
Obrigado Nuno. Por mim, é para repetir!

segunda-feira, 18 de maio de 2009

EM DESTAQUE


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Título
“ROTATIVIDADE DE JOGADORES” no Futebol. Uma relação «umbilical» do como treinar com o como «jogar».

Autor
Sérgio Alves

Orientador
Professor Vítor Frade

Monografia realizada no âmbito da disciplina de Seminário do 5º ano da licenciatura em Desporto e Educação Física, na opção de Futebol, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

RESUMO
O aumento da densidade competitiva e consequente número de jogos nas equipas de Rendimento Superior / TOP levou, nos últimos anos, ao emergir concepto-metodológico do “princípio da rotatividade de jogadores”. No sentido de compreender esta concepção metodológica para o presente estudo foi seleccionada, sistematizada e discutida informação relativa à complexidade que o «jogar» manifesta e de que forma os treinadores aplicam este princípio metodológico do treino. Os objectivos que o guiaram são os seguintes: desenvolver uma concepção de complexidade das noções e dos princípios de organização do «jogar»; balizar «concepto-metodologicamente» o princípio da rotatividade de jogadores; sistematizar procedimentos que tornam o princípio da rotatividade de jogadores uma necessidade nas equipas de Rendimento Superior.
Para o efeito, além de uma exaustiva pesquisa bibliográfica e documental, recorreu-se à realização de várias entrevistas a ex-jogadores, treinadores, académicos e a um analista de futebol internacional e comentador, que partilham preocupações relacionadas com o tema em apreço.
Através do cruzamento da informação entre a revisão bibliográfica e as entrevistas foi possível retirar as seguintes conclusões: pensa-se no «jogar» como interacção sistémica entre várias variáveis / dimensões mesmo quando apenas a uma se esteja a dar especial atenção; a rotatividade deve ser pensada e projectada no início de um período competitivo, tornando-se desta forma um momento ideal de aprendizagem, pois só jogando é que os jogadores conseguem evoluir. Torna-se assim essencial treinar a organização do «jogar» que se pretende desde o primeiro dia, visando a organização das ideias de jogo e a respectiva adaptação; a rotatividade é uma acção que os treinadores utilizam para potencializar todos os jogadores do plantel; a rotatividade acontece durante a semana no processo de treino, estando presente nos exercícios específicos para quando o jogador entrar em campo estar identificado com os princípios de jogo da equipa; a rotatividade só o é se for preparada, é um dos aspectos que deverá fazer parte do modelo de jogo do treinador; os processos de recuperação e rotatividade são decisivos, sendo fundamental reconhecer que é tão importante treinar como recuperar.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

OPINIÃO

Mister, como é que se combate o «PRESSING»?!!
por Ricardo Barreto
Esta simples pergunta, que pode ser feita a qualquer altura por um qualquer jogador, é capaz provocar em nós diferentes opiniões. Mas, atenção!!! Antes de se procurar uma resposta, importa não esquecer que, a todo e qualquer momento, poderemos estar a dar tiros nos pés! Porquê? É isso que eu vou procurar esclarecer.
No futebol actual, existem determinados princípios de jogo que são considerados fundamentais para que uma qualquer equipa seja considerada de TOP. Atrevo-me até a ir mais longe! Actualmente, as equipas que não manifestem com regularidade determinados princípios, não podem ser consideradas EQUIPAS DE TOP! O «Pressing» é um deles!!! Senão, reparem! Façam uma pequena viagem por algumas das grandes equipas, do passado e do presente: Ajax de Rinus Michels, Cruyff ou Van Gall, Milão de Sacchi, Barcelona de Cruyff, Real Madrid da «Quinta del Bultre», Porto e Chelsea de Mourinho, Manchester United de Fergusson, ou qualquer uma das equipas que esteve nas meias finais da Liga dos Campeões deste ano, Chelsea, Barcelona, Arsenal e Manchester. Pensem agora no que estas equipas apresentaram ou apresentam como padrão de jogo e logo o «Pressing» aparece como um fio condutor que as une, do passado ao presente!
Mas será que isto pode ser visto de uma forma tão partida, tão analítica, tão redutora? Parece-me que não. É verdade que as grandes equipas são pressionantes (embora não o sejam sempre… nem sempre da mesma maneira!) e são agressivas (no bom sentido do termo e não apenas defensivamente!). Não são passivas, mas antes activas, pois não esperam pelo erro do adversário, procurando antes provocá-lo. Contudo, parece-me claro que para estas equipas, o «Pressing» é apenas metade do caminho. Porquê? Porque depois de «destruir» (o jogo do adversário) vem a parte mais difícil: «construir», «criar»!!!... E como elas (as EQUIPAS DE TOP) «construiram» no passado e «criam» no presente!!!... De facto, para todas estas equipas, o «Pressing» é visto apenas como um meio para atingir um fim – a POSSE DE BOLA – e não como um fim em si mesmo. Mais acrescento, é aqui, nesta capacidade de coordenar/articular estes dois momentos diversos, mas interligados, de jogo – recuperação da posse de bola e sua manutenção – que muitas equipas apresentam grandes dificuldades. E é precisamente esta articulação que distingue uma EQUIPA DE TOP da «normalidade». Mais, da vulgaridade!
No entanto, para uma vertente «iluminada» de treinadores, a única forma de se combater o «Pressing» é… com mais pressão!!! Então, pedem sistematicamente «garra», «suor», «esforço», «correria», «agressividade» (no mau sentido do termo) aos seus jogadores. E os jogos transformam-se em autênticas batalhas campais, onde o respeito pelo adversário e pela essência do jogo deixa de fazer sentido. Aparecem os jogos com excesso de faltas, as agressões e lesões aos «magotes», as bolas pelo ar, o futebol aos repelões, onde o músculo procura abafar o talento e onde as equipas se sentem mais à vontade sem bola do que com ela!
Para estes «carrascos» do BOM FUTEBOL, queria apenas deixar uma reflexão final. Quando compramos um bilhete para ir a um estádio ver um jogo de futebol, é como se pagássemos um bilhete para ir ao cinema! Temos direito ao filme completo… do princípio ao fim! Recusamo-nos a ver apenas uma parte do «filme», reproduzida e repetida vezes sem conta!
E já estou a imaginar a entrega dos «Óscares» 2008/2009:
“ÓSCAR PARA MELHOR FILME: BARCELONA
ÓSCAR PARA MELHOR REALIZADOR: PEP GUARDIOLA
ÓSCAR PARA MELHOR ARGUMENTO: MODELO DE JOGO DO BARCELONA
ETC…
ETC…”
E isto sim, dignifica o Futebol, dignifica os Treinadores, dignifica os Jogadores … e também bate recordes de bilheteira!
Por favor, levantem-se!!! APLAUSOS para o BOM FUTEBOL.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO

Se o sistema é aquilo que criamos como base do nosso jogo, para utilizar repetidamente, a estratégia funciona jogo a jogo, em função do adversário.
Jorge Jesus (1998)

sábado, 9 de maio de 2009

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO

É a táctica que vai dar a dinâmica ao sistema de jogo, defensivo e ofensivo. Ou seja, é através da táctica que vamos entrar no modelo de jogo criado pela equipa técnica, é através dela que vai surgir a movimentação pretendida dos jogadores.
Jorge Jesus (1998)

sexta-feira, 8 de maio de 2009

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO

O sistema é a base do jogo. É, digamos, a forma como colocamos os jogadores em campo, mas sem dinâmica, ou seja, a distribuição das unidades «mortas» pelo espaço.
Jorge Jesus (1998)

terça-feira, 5 de maio de 2009

FUTEBOL (COM) SENTIDO

Parte II
Pivô: farol ou rosa-dos-ventos

Uma das grandes riquezas do Futebol é a sua pluralidade, pois o Jogo contempla diferentes jogares e esse é um aspecto muito pertinente. É que daí surge a necessidade de cada um balizar conceptualmente aquilo que entende por jogar bem e definir de forma coerente o que pode fazer emergir tal complexidade singular: o jogar de cada um. Se assim não fosse, não faria sentido este tipo de discussões e troca de ideias, o futebol seria igual para todos e a unanimidade, com todos os seus perigos, reinaria. Paradoxalmente, mas sem qualquer contradição, há, contudo, no Futebol de qualidade alguns padrões, numa escala mais alargada, Macro (dos quais potencialmente podem emergir inúmeras subdinâmicas singulares num nível mais restrito, Micro), que podem ser identificados e que, como tal, deverão ser extensíveis à generalidade dos jogares que aspiram a tal categoria de qualidade.

Tal como refere o Nuno Amieiro, também entendo que “a posição 6 é crítica para se jogar bom futebol”. De facto, a função do pivô, quando este funciona como tal e não apenas porque ocupa aquela zona do campo, permite-lhe ser o “farol” que orienta a equipa sendo, desse modo, determinante para a funcionalidade colectiva em equipas que aspiram a um Futebol de qualidade e que assenta, como é referido mais uma vez pelo Nuno Amieiro, “num jogar mais apoiado e circulado, assente no bom jogo posicional de todos os jogadores … Um jogar onde o que corre é, fundamentalmente, a bola… para que a profundidade seja ganha com naturalidade e qualidade”.

Nas estruturas que contemplam a existência da posição, e pelo seu posicionamento em campo, o pivô estabelece relações directas com a generalidade dos jogadores da equipa. Para além disso, em determinadas estruturas, trata-se de uma posição onde a essência do Futebol, a Interacção, está potenciada, ainda que a nível formal e abstracto. Considero, assim, que a opção por este jogador como principal referência para a dinâmica ofensiva colectiva, quer em transição defesa-ataque como em organização ofensiva, pode consubstanciar um jogar de qualidade. Mas importa aprofundar as razões de tal convicção...

Desde logo, admiro as equipas que se sentem confortáveis a jogar na zona central, ainda que não hipotequem e façam questão de explorar a possibilidade da bola percorrer todo o campo, em largura e profundidade (negativa ou positiva), para se sentirem mais à vontade no meio quando a bola lá retorna. Ora, para a equipa o fazer, a qualidade do seu jogo posicional é determinante. E, neste ponto, o jogo posicional do pivô é decisivo, assim como o dos médios interiores que com ele estabelecem o triângulo que, tal como o campo, se quer grande. Contudo, só será grande se o pivô, que considero dever ser o mais posicional de todos os jogadores, estiver devidamente posicionado. Caso esteja demasiado recuado (como muitas vezes se observa alguns pseudo pivôs fazerem, ao ponto de baixarem para a linha dos centrais a pedirem a bola em construção, ou então, partindo de tal posição como sucede com os ditos “trincos” que, em organização defensiva, se juntam à linha do sector defensivo), o que se verifica é que os médios interiores são forçados a baixar e, por consequência, também os restantes jogadores mais adiantados, levando a equipa a perder profundidade. Ou então, não baixam e a equipa parte-se. Se, pelo contrário, o pivô se encontra demasiado adiantado, o triângulo fica pequeno, encurta ou deixa mesmo de o ser. Tal adiantamento do pivô retira espaço aos médios interiores e aos jogadores mais adiantados levando a menor espaço para a bola circular e finalizar, a uma diminuição do espaço e tempo para os jogadores executarem, a uma sobreposição de linhas e a uma aglomeração de adversários na zona central. Com tudo isto, torna-se difícil ver aquilo que tanto admiro: uma equipa a jogar no interior da outra.

O campo de futebol é grande e, além de poder andar perdido em profundidade, o pivô pode igualmente perder-se em largura, caindo ora num lado, ora no outro, tanto para pedir a bola em posse, como para efectuar acções defensivas nos corredores laterais em organização defensiva, saindo da sua posição, perdendo-se no campo, apagando-se, deixando de ser o “farol” da equipa que, como tal, se sentirá às escuras e à deriva. Mais, ao sair da sua posição central para zonas laterais, não deixa somente de ser a referência que deve ser na zona central, como retira espaço aos jogadores que jogam nessas zonas do campo, sem esquecer que leva os restantes médios a ajustarem-se, o que muitas vezes leva a uma grande densidade de jogadores em zonas laterais. Logo, não só não se verifica aquilo que tanto gosto, como se torna mais fácil para o adversário recuperar a posse de bola, pois se nós lá estamos eles vão para lá e aí têm a vantagem de jogar com um jogador extra cuja abrangência de espaço é enorme: a linha lateral. Percebe-se, então, por tudo o que referi, que o posicionamento e funcionalidade do pivô são determinantes para que uma equipa possa jogar no interior do adversário. Daí que eu faça a sua apologia.

Em transição ofensiva e em organização ofensiva, este jogador deverá não somente ser um “farol”, mas também uma “rosa-dos-ventos”, um ponto de referência, não muito móvel, que torna possível à equipa jogar no sentido de “todos os rumos determinados pelos pontos cardeais” e que, além disso, lhe mostra e leva a reconhecer tal possibilidade. Que implicações tem isto nos momentos de transição ofensiva e de organização ofensiva? Imensas! Mais variabilidade, mais imprevisibilidade, mais qualidade e, claro, para o adversário, mais dificuldades.

Importa, contudo, advertir que para ser o “farol” e a “rosa-dos-ventos”, ou ainda “o epicentro de toda a dinâmica ofensiva colectiva”, como refere o Nuno Amieiro, tem de haver critério na escolha de tal jogador. No meu entendimento, este jogador deverá ser muito posicional e capaz de reconhecer que a mobilidade no Futebol, por vezes, implica não se mover, saber estar e ficar, sem roubar espaço aos restantes jogadores, garantir sempre diagonais de passe para poder jogar com regularidade de frente para o jogo, funcionar como apoio recuado em zona central para os jogadores que jogam à sua frente, não se esconder do jogo, ter qualidade e variabilidade de passe, possuir critério na identificação dos timings de entrada da bola, noção de ritmo e um adequado entendimento da velocidade de jogo. Logo, não serve um qualquer. Se não satisfizer muitos destes requisitos, não será a “rosa-dos-ventos” que a equipa necessita, mas antes um “cata-ventos” que vai para onde o jogo e os adversários o levam.

Retomando o problema da apologia simultânea do pivô e do “médio transportador”. Também eu penso tratar-se de um erro, sendo de realçar que, no meu entendimento, o emprego pelo Nuno Amieiro da palavra “simultaneamente” é um preciosismo de enorme pertinência. Concordo, igualmente, com a impossibilidade de ligar a lógica do “médio transportador” com a do pivô em momentos simultâneos do jogo, uma vez que as repercussões que as subdinâmicas do “médio transportador” têm em sobreposição às do pivô, são nefastas e hipotecam a possibilidade deste último o ser.

Assim, sem dúvida que haverá um divórcio, ou melhor, não haverá... por não poder haver casamento! A existência de um “médio transportador” nos primeiros momentos de construção retira ao pivô a preponderância e funcionalidade que este deve ter em tais circunstâncias, fazendo-o desaparecer do jogo. Um dos noivos não aparece ou participa no casamento, por lhe ser retirado espaço e tempo, preponderância, sendo ainda muitas vezes obrigado a baixar ou a ocupar zonas estranhas que, no seguimento, implicam um recuo da equipa que, das duas uma, ou sente dificuldade em dar profundidade ao jogo ou, mantendo-se profunda, acaba por se partir.

Jorge Maciel

segunda-feira, 4 de maio de 2009

VALE A PENA LER DE NOVO

O jogo do título
O jogo do título ensinou-nos várias lições mas, em contrapartida, deixou que dele se tirassem conclusões que, do meu ponto de vista, são erradas. Não foi um bom jogo, porque foi árido, porque as duas equipas se ralaram mais em anular o adversário – anulando-se a si próprias no processo – do que em colocar em campo as suas armas. Foi aquilo a que os especialistas gostam de chamar um jogo táctico, como se tal coisa pudesse existir e só uns quantos iluminados pudessem dela tirar gozo. Mas não só isso não existe, como o que há são jogos em que o medo se impõe ao prazer, em que o rigor se impõe à criatividade, em que a luta se impõe ao talento. Em que a vontade de não perder é superior à de ganhar. Foi isso que vimos todos no Bessa. E por mais que queiramos iludir-nos com noções de competitividade, o que aconteceu foi um jogo aborrecido. Jogado nos limites, é verdade, mas onde uma folha de papel chegaria para anotar todos os lances relevantes. Um jogo com muito empenho, mas pouco espectáculo a justificar os 75 euros do bilhete cobrado à entrada.
António Tadeia, no jornal Record de 5 de Abril de 2002
(artigo publicado com a autorização do autor)

domingo, 3 de maio de 2009

VALE A PENA LER DE NOVO

Ganharam 0-0
Foi surpreendente a quantidade de opiniões favoráveis que teve a estratégia do Chelsea: com perseguições individuais, centrocampistas de grandíssimo nível que não pisaram a área contrária, interrupções frequentes para interromper o ritmo do Barcelona... O negócio saiu-lhes redondo porque encontraram o 0-0 que procuravam. Só por isso, para certa crítica, já obtiveram a patente de equipa inteligente. O que me parece incrível é a pouca generosidade que temos para com as equipas que assumem o risco, o jogo, futebol grande. Só ganham o elogio quando ganham o jogo. Ao invés, os espectadores aplaudem os empates ainda que seja à custa de varrer o espectáculo.
Jorge Valdano, no jornal A Bola de 2 de Maio de 2009
Nem de propósito
Os dois posts que se seguirão surgem no seguimento do meu último Ideias Soltas onde, mais do que criticar a estratégia de Hiddink frente ao Barcelona na passada terça-feira, tentava evidenciar aquela que é a minha noção de Táctica.
O primeiro post é um dos artigos que Valdano escreveu ontem no jornal A Bola. Nem de propósito...
O segundo é um excerto de um texto de António Tadeia que, por acaso, hoje encontrei. Conseguirão lembrar-se de que jogo fala Tadeia? É que, nem de propósito...
Nuno Amieiro

sexta-feira, 1 de maio de 2009

IDEIAS SOLTAS

Muito táctico?! Sim, o Barça...
Facilmente se constata o quanto é comum adjectivar-se de “táctico” um jogo muito defensivo de uma equipa, onde são evidentes grandes preocupações com determinados jogadores adversários, onde a grande missão colectiva quase se resume a anular o jogo adversário. Em suma, onde a grande preocupaçãp passa muito mais por não sofrer golos do que por marcá-los. Muitas vezes, nem é uma das equipas. São as duas. Um jogo mal jogado de parte a parte que alguém resolve adjectivar de “táctico”, no sentido de meter alguma água na fervura... numa espécie de redenção intelectual face àquele que foi um espectáculo deprimente.
Ora, como foi isso que vimos da parte do Chelsea na última quarta-feira europeia em Camp Nou, provavelmente quase todos, senão mesmo todos os que lêem este texto, ouviram da parte de quem comentava o jogo, em directo, afirmações do tipo “o jogo está a ser muito táctico”, porque “estamos a assistir a um Chelsea muito táctico” ou, já em jeito de resumo final nos últimos minutos do encontro, “o Chelsea, no lado táctico, esteve tremendo”. Bem, pelo menos no canal onde vi o jogo, expressões semelhantes ou com o mesmo sentido foram repetidas várias vezes...
Portanto, segundo o entendimento de alguns, uma equipa que, praticamente, apenas jogou meio jogo, o defensivo, é “muito táctica”, tremenda no “lado táctico”... Como se a táctica se esgotasse nas coisas do jogar que têm a ver com o defender, com o anular pontos fortes do adversário, com o cumprir a intenção inicial de, acima de tudo, não sofrer golo.
Para mim, o lado táctico tem a ver com o jogo todo e, nessa medida, o primeiro elogio a ser feito teria de ser dirigido à equipa de Guardiola. Para mim, falar de táctica é falar de intenções e de interações e, neste sentido, o jogar do Barça mostrou (e tem vindo a mostrar, por vezes de forma excepcional) maior riqueza e complexidade táctica. Foi, por isso, aos meus olhos, muito mais táctico do que o do Chelsea. Basta ver o modo como a equipa responde, perto e longe da bola, à progressão com bola de Piqué pelo corredor central. Ou o modo como ocupa o espaço a atacar e faz a bola circular. Ou o modo como “acampa” no último terço e mete a bola a correr, rente à relva, na procura do espaço e do momento certo para tentar finalizar. Ou o modo como recusa cair na tentação do pontapé longo ou do cruzamento cego para dentro do “aquário”. Ou o modo como responde à perda da posse de bola e, desse modo, poucas vezes é obrigado a “desmontar as tendas”. Tudo isto revela critérios. Tudo isto é construção (táctica) do treinador.
Por isso, sim. Também acho que o Barcelona-Chelsea foi um jogo muito táctico. Mas, sobretudo, pelo que nos mostrou o Barça. Sabem como jogou? Então sabem do que falo, sabem o que é a Táctica para mim. Ela é o fio invisível que faz emergir aquilo que reconhecemos como traços marcantes do jogar de uma equipa.
Nuno Amieiro

quinta-feira, 30 de abril de 2009

VALE A PENA LER DE NOVO

Jogar como os grandes para vir a ser como eles
A condenação que aqui fiz ao cinismo do antijogo e do contra-ataque, há uma semana, mereceu uma resposta do José Manuel Delgado. Já por várias vezes tínhamos discutido o assunto, o que me levou a ler ainda com mais atenção a defesa dos treinadores que, não por convicção, mas "por necessidade”, “deitam mão de tácticas defensivas”. E respondo. Concordo com a tese, mas discordo da sua defesa. Sim, é necessário reduzir o número de clubes na I Liga. Não, não acho que o antijogo seja frutuoso. A questão é subjectiva e nunca poderá ser provada a razão de uma ou da outra parte, mas acho que os treinadores dos pequenos devem, acima de tudo, tentar jogar como os grandes se algum dia querem ser como eles.
Não me aborrece o “antijogo” do Mestre de Avis na Batalha de Aljubarrota. Por várias razões, das quais cito uma: nessa altura não venderam bilhetes e não se colocava a questão do respeito pelo público que os compra. Depois, em jogo estava muito mais do que um jogo de futebol, por inerência um espectáculo ou um divertimento. Os utilitaristas podem sempre dizer que hoje, com as pressões que se colocam sobre uma equipa profissional, há que ganhar a todo o custo. Mas quem disse que o melhor modo de o fazer é negar o espectáculo? Billardo ganhou um Mundial a praticar antifutebol, mas tinha Maradona, o último génio que já apareceu nos relvados. E antes dele já Menotti tinha ganho um título idêntico a jogar bem. A discussão entre “Menottistas” e “Billardistas” é filosófica e, por isso mesmo, será eterna. Mas nunca nenhum dos grupos poderá negar a razão ao outro. Resta-nos assim a questão do gosto. E dá mais gozo ganhar a jogar bem do que a jogar mal.
Jorge Valdano, que sabe do que fala, porque aplicou os mesmos princípios de jogo quando se tratou de salvar o Tenerife de descer de divisão e quando precisou de ganhar o campeonato, no Real Madrid, nega a discussão em torno do “resultadismo”. “Acima de tudo, há que jogar bem, pois se jogarmos bem há mais hipóteses de ganharmos”, diz. O antijogo pode até valer um bom resultado episódico a um clube pequeno quando joga com um grande (e nem sempre, como se viu pela falta de surpresas na eliminatória desta semana da Taça de Portugal), mas nunca lhe permitirá a consistência própria das boas equipas. Em sentido contrário, a prática do bom futebol pode reduzir as hipóteses dos pequenos baterem o pé aos grandes, mas dá-lhes uma rotina de futebol construtivo que pode ajudá-los contra as outras equipas do seu campeonato. E, no futuro, até contra os grandes. Porque de tanto jogar como eles, uma equipa pequena pode deixar de o ser.
António Tadeia, no jornal Record de 16 de Novembro de 1999
(artigo publicado com a autorização do autor)

terça-feira, 28 de abril de 2009

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO

El fútbol es de los técnicos. Y no me refiero a los entrenadores, sino a los futbolistas que dominan la técnica. Pase y control del balón. Con la derecha y con la izquierda.
Johan Cruyff

segunda-feira, 27 de abril de 2009

FUTEBOL (COM) SENTIDO

Parte I
Caçar com gato


A crónica “Divórcio anunciado” começa por evidenciar que alguém, que também muito prezo, faz apologia do “médio transportador”. Penso que, no caso, não se trata de fazer a apologia deste tipo de jogador, mas antes reconhecer que as potencialidades e singularidades de um determinado jogador, Cristián Rodríguez, permitiram à sua equipa, o FC Porto, criar uma subdinâmica alternativa, que passou a ter primazia, por dar respostas diferentes, e por sinal mais eficazes, à forma como a equipa transita para o ataque. Note-se que tal não significa que também eu faça apologia deste tipo de funcionalidade colectiva (que, na maior parte das vezes, tende para desfuncionalidade). Contudo, não me choca que haja equipas que o façam. Parece-me que, mais do que a apologia do “médio transportador”, aquilo que o tão prezado comentador sugere é que, face à não existência de um verdadeiro pivô na equipa do FC Porto, esta mostrou-se a alternativa mais viável.

Penso que Fernando, tendo uma evolução interessante, ainda não sabe funcionar como pivô, ainda só é útil e eficaz em meio jogo: quando a equipa perde e não tem bola. Em posse, os seus movimentos de apoio ao portador devem ser melhorados, a criação de diagonais de passe nem sempre é assegurada, muitas vezes esconde-se e, além disso, a sua qualidade de passe e noção de ritmo não lhe permitem dar à equipa uma dinâmica muito abrangente e variável, visto que não consegue acelerar através de passe, não tem facilidade em identificar os timings de entrada da bola, não tem facilidade em variar com qualidade o lado da bola, nem de alternar passe longo e curto (tudo isto ainda mais evidente sobre pressão). Por isto, e talvez por mais algumas coisas, apesar de jogar na posição 6, não consegue ser o elo de ligação que a equipa necessita nos momentos de transição ofensiva, já que não é capaz de fazer chegar a bola à frente de forma rápida, como o treinador parece desejar. Por apenas jogar meio jogo, a alternativa foi encontrar alguém que, face à forma de jogar desejada, pudesse responder de modo mais ajustado ao jogo todo.

A solução passou por Rodríguez, um jogador que, jogando a partir de posições mais adiantadas, assumia outras funções nas quais não exponenciava algumas das suas potencialidades, além de retirar algumas coisas à equipa que, no meu entender, se constituíam como um estorvo. Um exemplo, e uma vez que parte geralmente de posições interiores, é a perda de largura na frente e, por conseguinte, o roubo de espaço a explorar pelo ponta de lança, assim como a sobreposição de zonas a explorar por ambos. Lá está, “quem não tem cão caça com gato”! Trata-se, pois, de uma questão de prioridades, tendo em consideração as potencialidades e necessidades da equipa. Um balanço e uma tarefa que, na verdade, são o cerne da actividade de um treinador.
Face ao exposto, penso que o que o nosso estimado amigo sugere é que o recurso a Cristián Rodríguez, naquele contexto concreto, acaba por ser um mal menor. Se a sua apologia fosse pelo “médio transportador”, não faria sentido que essa mesma pessoa identificasse como “erro conceptual” e fonte primeira da generalidades dos bloqueios colectivos da equipa do Sporting a inexistência, por opção do treinador, de um jogador capaz de desempenhar com qualidade as funções de pivô. Uma posição e função que, numa estrutura como a do Sporting, me parece determinante.

Jorge Maciel

FUTEBOL (COM) SENTIDO

Respondendo ao desafio do autor deste espaço, amigo e companheiro de paixão, proponho-me fazer uma divagação acerca da possibilidade de um casamento feliz para aquilo que, à partida, poderá parecer um "divórcio anunciado": a coexistência do pivô com "médios transportadores". Mas vamos por partes...
Jorge Maciel

sábado, 25 de abril de 2009

EM DESTAQUE



Título
O problematizar de dois princípios de jogo fundamentais no acesso ao rendimento superior do futebol: o «PRESSING» e a «POSSE DE BOLA» expressões duma «descoberta guiada» suportada numa lógica metodológica em que «o todo está na(s) parte(s) que está(ão) no todo».
(A equipa sénior do Futebol Clube do Porto 2001/2002 e 2002/2003: um «estudo de caso»)

Autor
Ricardo Barreto

Orientador
Professor Vítor Frade

Monografia realizada no âmbito da disciplina de Seminário do 5º ano da licenciatura em Desporto e Educação Física, na opção de Futebol, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

Resumo
Com a chegada de José Mourinho ao F.C. Porto na época de 2001/2002, este treinador, com a implementação de uma nova metodologia de treino – Periodização Táctica – conseguiu contrariar a tendência da maioria das equipas portuguesas de ser eliminada das competições europeias logo nas primeiras eliminatórias. Na época de 2002/2003, este clube acabou por conquistar não só a Taça UEFA, como também a Super Liga, a Taça de Portugal e a Supertaça.
José Mourinho, nas entrevistas que dava aos jornais e revistas da especialidade, fazia sobressair dois princípios de jogo que considerava fundamentais – pressing alto e a posse de bola. Estes dois princípios eram vistos como se de um meio (pressing) para atingir um fim (posse de bola) se tratasse, criando assim a ideia de que eram contemplados, no Modelo de Jogo do F.C. Porto, em constante correlação.
Esta nova perspectiva, deste «novo» treinador, veio contrariar a maioria dos trabalhos científicos realizados na área do futebol, que estudavam sistematicamente os princípios de jogo «pressing» e «posse de bola» de uma forma analítica, isolada e descontextualizada.
Assim, e partindo destas duas «partes» – «pressing» e «posse de bola» – que são representativas de um «todo» – Modelo de Jogo – partimos para uma «descoberta guiada» em busca da identificação dos traços mais marcantes destes dois «conceitos» considerados como fundamentais por José Mourinho, e que, em certa medida, poderão constituir-se como algumas das possíveis justificações para o sucesso alcançado por esta equipa e por este treinador.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO

"Contra a crença popular, os futebolistas são tão generosos no esforço que, por vezes, correm mais do que o jogo pede."
Jorge Valdano

terça-feira, 21 de abril de 2009

FUTEBOL (COM) SENTIDO

Centros de alto desperdício

Inevitavelmente estamos a entrar numa nova era do Futebol. Contudo, questiono se este será o caminho mais correcto para promover e estimular aquele que, pela simplicidade das suas regras e prática (ainda que, neste último caso, aparente), se tornou num fenómeno único. Confesso não ter grandes dúvidas de que, a manter-se nesta rota, o futuro do Futebol está ameaçado. Com efeito, pela dimensão que alcançou, nele proliferam oportunistas que, dotados muitas das vezes de uma cegueira premeditada, tentam angariar parceiros, a peso de ouro.

Nos últimos meses, quer na imprensa espanhola quer na portuguesa, pudemos ler algumas reportagens relacionadas com a aplicação de meios ditos “científicos” ao treino de futebol. Deste modo, foi notícia a criação e funcionamento de centros de alto rendimento em clubes como o Real Madrid e o SL Benfica. Com nomes pomposos, respectivamente, Real Madrid TEC e LORD (Laboratório de Optimização do Rendimento Desportivo), estes clubes apresentaram aqueles que parecem ser os seus ovos de Colombo. Aliás, tal como há já muito havia feito o AC Milão com o famoso Milanelo que, por sinal, serve de referência a ambos os projectos.

No Real Madrid, o mentor do projecto foi Valter di Salvo, apelidado de Cristiano Ronaldo da preparação física, cujos poderes são absolutos na parte física e no funcionamento do TEC. Já no Benfica, parece ser Bruno Mendes o responsável pelo LORD, procurando que esta estrutura funcione como elo de ligação entre o departamento médico e a equipa técnica encarnada.
Tratam-se, sem dúvida, de projectos que exigem muita dedicação, empenho (ainda que, a meu ver, não no essencial) e trabalho árduo (embora o burro, por muito que trabalhe, nunca venha a ser cavalo) por parte dos colaboradores e, para gáudio de alguns (cada vez mais), muito dinheiro, sobretudo devido a consultadoria “científica” em diferentes domínios. O que não quer dizer que o façam de forma multidisciplinar, muito pelo contrário, uma vez que o raciocínio subjacente a tais projectos apoia-se num entendimento reducionista e espartilhado do futebol.

Em ambos os casos, os objectivos assemelham-se: fazer um seguimento e possuir um registo “detalhado” de cada jogador e dispor de uma “infinidade de dados válidos e fiáveis”, de modo a que as equipas técnicas rentabilizem os respectivos plantéis. Para tal, socorrem-se de uma panóplia de testes físicos a realizar com grande periodicidade, programas individualizados de fortalecimento muscular para os seus “atletas”, podendo no caso do Real Madrid encontrar-se diferentes espaços, relativos a diferentes departamentos. Neste caso, fala-se na sala da velocidade, na sala da condição física geral, na sala de estudos antropométricos, na sala de estudos biomecânicos e também na “habitação da mente”, o espaço que, pelos vistos, mais impacto tem criado e onde, supostamente, se procura analisar os efeitos que a pressão da competição pode exercer sobre os jogadores. Sinceramente, duvido muito que esta habitação (de)mente, mesmo tendo pressupostos muito válidos e comprovados pelas neurociências, consiga reproduzir, de forma aproximada, por exemplo, a pressão sentida por um jogador no Santiago Barnabéu...

Um dos aspectos mais curiosos das reportagens que puderam ser lidas em torno deste tema, relaciona-se com aqueles que são apresentados como resultados imediatos do LORD. A saber: (1) relatório da UEFA refere o Benfica como a equipa com menos lesões na Europa; (2) recuperação de Suazo, de rotura muscular feita em tempo recorde, apenas 18 dias; (3) os “casos flagrantes” de Di Maria e David Luís que têm actualmente e de forma respectiva, mais 8 e 10 quilos cada um.

Vejamos agora o meu ponto de vista: (1) as recentes e frequentes lesões do Benfica contrariam, inequivocamente, tal relatório (além disso, a UEFA não tem necessariamente de tomar conhecimento de todas as lesões dos clubes e as estatísticas, no futebol, raramente são de confiar, sobretudo quando surgem como auxílio a “vendedores de banha da cobra”); (2) David Suazo após essa recuperação “espectacular” voltou a lesionar-se e não jogará mais esta época; (3) o aumento de peso de Di Maria e David Luíz não se tem reflectido numa melhoria da qualidade dos seus desempenhos, mas antes, no caso do último, num aumento da instabilidade articular que lhe tem valido lesões frequentes; Di Maria não tem lesões, o que dada a sua densidade competitiva não causa admiração, mas apresenta uma evolução ao nível da inteligência de jogo, desesperante e a sua relação com o jogo é cada vez pior (talvez aconteça o oposto na sua relação com as máquinas de musculação...).

Mas a aparente incapacidade geral em reconhecer estes factos, que me parecem evidentes e inequívocos, não é, quanto o mim, o ponto mais grave destas cegueiras. Esse relaciona-se com o desejo de aplicar tais projectos à generalidade dos jogadores da formação. No Real Madrid, o desejo é fazer surgir novos “Raúles, ganadores natos com una gran fuerza mental”. E eu questiono: será que aquilo que fez do Raúl o que ele é tem algo a ver com isto?! E, ultimamente, quantos jogadores da “cantera” têm singrado no Real Madrid?! No Benfica, nos bastidores, pelos vistos diz-se que “os títulos também se ganham assim”. O Benfica é a prova cabal disso mesmo!!!

Antes de terminar, não queria deixar de salientar que, quanto a mim, alguns dos meios apresentados, nomeadamente os que se relacionam com a observação de treinos e de jogos, têm de facto potencialidades. Contudo, caso estes instrumentos não sejam devidamente utilizados, parece-me que apenas servirão para atrapalhar. Como por vezes refere Vítor Frade, é como se tivéssemos, em termos abstractos, uma enorme destreza a utilizar os talheres, mas depois, quando vem a sopa, vamos lá com o garfo! O modo como se usa e abusa deste tipo de meios tem subjacente e é revelador daquela que é, para mim, a maior cegueira que afecta o Futebol: a incapacidade de se decifrar a sua essência. E tal repercute-se nos clubes que deles se socorrem. Pegando nos dois casos apresentados, são equipas que não funcionam como tal, evidenciando uma primazia no plano individual em detrimento do colectivo, à semelhança do modo como parece ser perspectivado o treino nestes clubes. São também equipas que desencantam com a bola e com pouca relação com o jogo, o que não é igualmente de admirar, quando a bola ou mais concretamente aquilo que de qualidade se pode fazer com e sem ela (intencionalidade – Táctica) é relegado para segundo plano em favor de um fisicismo abstracto que, pelos vistos, se pode aplicar de forma semelhante em Madrid ou no Seixal (como se fosse sensato usar o mesmo molde em contextos distintos...).

Este tipo de concepções de treino que querem colocar realidades diferentes no mesmo saco cabem, elas sim, todas no mesmo saco. Por isso digo que a norma do treinar, com mais ou menos “embrulho”, continua obcecada na fomentação das suas maiores cegueiras, o fisicismo e a ânsia de formatar “atletas”. Costuma dizer-se que em terra de cegos quem tem olho é rei, mas, como salienta Johan Cruyff, mesmo assim só conseguem ver com um olho. Daí que se desperdice tempo, talento, dinheiro, recursos,...

Jorge Maciel

segunda-feira, 20 de abril de 2009

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO

A forma não é física. A forma é muito mais do que isso. O físico é o menos importante na abrangência da forma desportiva. Sem organização e talento na exploração de um modelo de jogo, as deficiências são explícitas, mas pouco têm a ver com a forma física.
José Mourinho

quinta-feira, 16 de abril de 2009

OPINIÃO

Uma questão de lógica de jogo com comportamentos coerentes na sua globalidade
por José T.

Em resposta à solicitação do autor deste espaço, disponibilizei-me para discutir alguns pormenores de jogo relacionados com a crónica «Divórcio anunciado».
A questão do «pivô» e do «médio transportador de bola» é uma discussão interessante, fundamentalmente, ao nível dos conceitos, dos princípios e da lógica subjacente à equipa como um todo.
Parece-me demasiado fácil e sedutor usar conceitos que consideramos mais inteligentes ou evoluídos na tentativa de nos mostrarmos mais sabedores ou conhecedores sobre determinado assunto, mas devemos ter sempre o cuidado de perceber quais as suas origens e se tais conceitos são, ou não, adequados para o tema que estamos a discutir.
Para mim, o conceito de pivô está intimamente ligado a uma organização ofensiva em posse e circulação, com uma dinâmica interactiva de ocupação dos espaços com e sem bola. O que se pretende é que a equipa tenha zonas de passe perto e longe da bola, isto é, um jogo posicional sincronizado em que os jogadores funcionam uns em função dos outros, tentando encontrar o espaço e o momento adequados para fazer a bola penetrar ou finalizar com golo. Neste contexto, o pivô aparece como uma das figuras centrais, pois ocupa uma posição favorável, por excelência, para fazer a bola circular. Ele é um elemento organizador do jogo posicional, reaferindo espaços e equilíbrios, controlando timings de aceleração e temporização do jogo. A partir da sua zona, cria jogo pelo corredor central, o que permite à sua equipa jogar no interior do adversário. No fundo, numa lógica de controlo do jogo em posse de bola, num padrão por excelência de posse e circulação que procura os espaços do terreno de jogo favoráveis para criar os momentos óptimos para finalizar com golo, podemos e devemos usar o conceito de pivô para o jogador com a função acima descrita. Fora deste contexto, parece-me atrevido atribuir um conceito tão nobre, complexo e evoluído a um jogador!
Quanto à ideia de «médio transportador de bola», facilmente se interpreta que um médio, avançado ou defesa que seja «transportador de bola» está desadequado ou é mesmo contraditório a um padrão de jogo de posse e circulação. Num jogo circulado e apoiado, com jogadores perto e longe da bola, com ocupação racional do terreno de jogo e com a ambição de encontrar os melhores espaços para finalizar, torna-se desprovido de sentido algum jogador «transportar a bola». Porquê? Porque tal não é necessário!!! Porque é contrário ao padrão global existente.
No entanto, devemos ter o cuidado de perceber as diferenças entre «transportar a bola» e «penetrar com bola». A primeira situação implica deslocação de um objecto, enquanto a segunda implica a identificação de um espaço óptimo que deve ser ocupado. A primeira acontece várias vezes em jogos de transição onde os jogadores estão sozinhos ou desapoiados, com raras zonas de passe reais e onde existe uma vertigem pela aceleração – demasiadas vezes sem critério, porque se acredita que, quanto mais rápido o deslocamento, mais perto se está do golo. A segunda funciona como uma excepção. É uma estratégia de ocupação de espaços que tem subjacente um princípio e uma intenção e onde facilmente se observa uma sub-dinâmica de jogadores e comportamentos para se beneficiar de tal situação. No fundo, a primeira reflecte uma lógica individual, de quem transporta, enquanto a segunda reflecte uma lógica global, um padrão racional de circulação assente num jogo posicional de excepção!
José T.

PERIODIZAÇÃO TÁCTICA, o que nos diz Vítor Frade

Articular com sentido
Os «exercícios», em si mesmos, têm pouco valor. Têm unicamente informação potencial. A ênfase que eu coloco nisto e naquilo enquanto o «exercício» acontece, o modo como eu ligo isto com aquilo e a articulação entre «exercícios», são os aspectos mais importantes e os mais difíceis de dominar. E dependem exclusivamente do treinador. Por isso é que eu digo que os «exercícios» nunca são novos. Têm de estar sempre relacionados uns com os outros.
Vítor Frade (1998)

quarta-feira, 15 de abril de 2009

OPINIÃO

“Jogar para os pontos”?!!
por Carlos Campos
A finalidade das equipas de futebol terem um treinador parece-me estar relacionada com a necessidade de este lhes transmitir uma identidade própria, um determinado tipo de inter-relacionamentos entre os jogadores que lhes permitam jogarem o mesmo jogo, o mesmo futebol. Há a necessidade de os jogadores se sincronizarem na mesma ideia para que, em cada momento do jogo, se movam no mesmo registo e funcionem como um todo que partilhe os mesmos princípios de acção. Só desta forma poderemos falar em Equipa na verdadeira acepção da palavra, num colectivo que, jogando de determinada forma, tenta em cada jogo superiorizar-se ao adversário procurando marcar mais golos do que aqueles que sofre.
Esta identidade, esta determinada forma de jogar futebol cuja construção é da responsabilidade do treinador, é conseguida através das diferentes solicitações que este lhes propõe ao longo do processo de treino, ou seja, é neste processo que os jogadores vão adquirindo os princípios de acção que consubstanciam o jogo da equipa.
A riqueza da ideia de jogo que o treinador tem é de vital importância, pois boas ideias são fundamentais para bons futebóis. Contudo, mesmo uma ideia mais pobre, ou menos complexa, poderá sobreviver se for operacionalizada com qualidade, isto é, se essa forma de jogar for a prioridade a desenvolver, se tiver os seus princípios bem estruturados e hierarquizados, se tiver em conta uma alternância horizontal dos conteúdos de treino que lhes permita uma assimilação gradual e saudável daquilo que o treinador pretende e se este dominar tudo isto e, com uma intervenção perspicaz, for ajustando todas estas variáveis tendo em vista a tal ideia…
Esta introdução lapalissiana (sê-lo-á para a maioria… espero) esbarra estrondosa, diria mesmo catastroficamente, nos treinadores que, perto do fim das respectivas ligas, assumem heroicamente: «A partir de agora vamos jogar para os pontos!». Ora, surge aqui um ponto de ruptura marcadamente ilógico, sem sentido nem coerência, que ataca de forma aniquiladora e voraz aqueles que, como eu, acreditam nas tais verdades de la Palisse que referi anteriormente. Será que os treinadores que dizem isto não jogavam para ganhar até então???
O que se verifica habitualmente após este tipo de mudança de atitude são equipas a alterarem subitamente a sua forma de jogar procurando, sempre que têm a bola, colocá-la directamente na área adversária na crença de duas coisas: 1) «Bola perto da baliza adversária aumenta a probabilidade de golo nosso»; 2) «Bola longe da nossa baliza reduz a possibilidade de sofrermos golo».
Admitindo isto como meias verdades, emanam daqui um conjunto de questões que me causam uma enorme intriga que é a raiz deste texto. Se um treinador acredita que esta é a melhor forma de conquistar pontos, por que não jogou assim desde o inicio, procurando inclusivamente treinar isso (a tal ideia pobre…)? Treinador que mude o seu jogo de uma semana para a outra saberá o que é treinar para um «jogar»? Treinador que diga «A partir de agora vamos jogar para os pontos» alguma vez terá tido como preocupação desenvolver na sua equipa uma identidade? Achará isso importante?
Creio que um treinador que diz isto não é treinador, porque não cumpre nenhum dos requisitos sine qua non daquilo que, para mim, é SER TREINADOR. Treinador que o seja e não esteja a vencer, identifica e reajusta aquilo que está mal, mas joga sempre para os pontos, pois acredita que a sua ideia de jogo (sim, porque um treinador que o seja de facto tem uma ideia de jogo que procura desenvolver) é a melhor forma de ganhar os jogos.
Percebo perfeitamente o que é a necessidade imperiosa de pontos, níveis de confiança baixos por sucessivos insucessos, adeptos descontentes, Direcção a pressionar, etc., mas a melhor forma de conquistar pontos é a jogar bom futebol, proveniente de uma boa ideia bem treinada, sendo isto apenas passível de ser desenvolvido por bons treinadores!
Carlos Campos

segunda-feira, 13 de abril de 2009

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO

O pivô deve ser muito mais um farol do que um pirilampo.
Vítor Frade (2004)

sábado, 11 de abril de 2009

IDEIAS SOLTAS

Receita para a Europa
Na passada terça-feira o FC Porto empatou a 2 golos em Old Trafford com o «todo poderoso» Manchester United. No dia seguinte, o Barcelona recebeu no Camp Nou o Bayern Munique e, ao fim de 45 minutos de jogo, já tinha marcado 4 golos sem resposta.
No meio de tantas diferenças entre uma e outra equipa, algumas semelhanças saltaram à vista: quando em posse de bola, tanto a equipa de Jesualdo como a de Guardiola revelavam o habitual 4x3x3 como estrutura base e um triângulo de meio-campo com um vértice recuado e dois vértices avançados; quando sem bola e em bloco baixo, ambas defendiam com uma linha de 4 defesas e o triângulo de meio-campo, assim mesmo, 4+3 jogadores escalonados em função dos critérios dos seus treinadores e a bascularem em função da bola, opondo-se zonalmente à sua progressão; nesses momentos de bloco baixo, os 3 homens da linha avançada não defendiam em função da subida, ou não, dos seus adversários directos, mostrando jogar segundo outros critérios que articulam o presente (sem bola) com o futuro provável (recuperar a bola). Falo aqui de regularidades, de interacções que se podem observar 7 ou 8 vezes em cada 10. O resto é circunstancial.
Onde é que eu pretendo chegar com tudo isto? Numa altura em que muitos se convencem e nos tentam convencer de que uma equipa com «estofo» europeu não pode passar ao lado do 4x4x2 (ter-se-ão esquecido que uma estrutura não tem vida própria ou dinâmica universal?), estes dois treinadores parecem mostrar que, a haver uma receita, ela passará muito mais por doses significativas de convicção, coerência e coragem na abordagem a uma organização de jogo.
Nuno Amieiro

quinta-feira, 9 de abril de 2009

UM LIVRO


Título
A justificação da Periodização Táctica como uma fenomenotécnica
«A singularidade da INTERVENÇÃO DO TREINADOR como a sua impressão digital»
Autor
Carlos Campos
Editora
MCSports
Prefácio
Luís Freitas Lobo
Colaboração
Rui Faria (adjunto de José Mourinho no Inter de Milão)
José Guilherme Oliveira (adjunto de Carlos Queirós na Selecção de Portugal AA)
Marisa Gomes (treinadora dos quadros do futebol de formação do FC Porto)
Data de edição
2008
Língua
Português


Para abrir o apetite...

Para Frade (2004a) a grande condição da Periodização Táctica é ser uma «fenomenotécnica» na operacionalização do treino. Isto quer dizer que não é suficiente dizer-se que a natureza desta realidade é caracterizada pela extrema sensibilidade às condições iniciais e depois deixar correr o processo sem qualquer intervenção. A causalidade não linear consiste precisamente no facto da intervenção ter o poder de alterar muita coisa, o que, aplicado ao treino no Futebol, faz todo o sentido e tem enorme pertinência dando a clara indicação que a intervenção do treinador durante os exercícios será um factor fundamental para o seu correcto direccionamento em função do modelo de jogo."
"Gomes (2007) referindo-se à intervenção do treinador durante o jogo, defende que esta não muda os hábitos pois isso tem que ser incorporado, vivido e sentido pelos jogadores no processo de treino. Se é no treino que devemos modelar o jogo que queremos, fará pouco sentido intervir de forma sistemática quando o jogo está a decorrer pois isso será sintoma evidente que o processo de treino fracassou uma vez que não condicionou o «jogar» idealizado.

Os diversos momentos do jogo (ataque, defesa, transição para ataque e transição para defesa) não podem ser vistos como estanques em si mesmos, isto é, eles dependem-se mutuamente e na construção dos princípios de cada um deles temos de ter em conta a ligação com os restantes sob pena de haver uma desarticulação comprometedora da qualidade do jogo.

Guilherme Oliveira (Anexo 1) fala-nos de uma fractalidade transversal relacionada com todos os momentos do jogo, ou seja, os comportamentos pedidos, por exemplo no momento de organização ofensiva, têm em consideração o momento de perda da bola e por conseguinte os momentos de transição para defesa e posteriormente de organização defensiva. Assim há uma interacção entre os diferentes momentos e o que está a acontecer num determinado momento está a ter uma resposta baseada não só no sucesso do momento em causa mas também dos momentos subsequentes tal como um sistema de roldanas (Figura 1) em que a inversão do sentido de uma delas implica uma resposta das demais visto que estão em interacção permanente.

Todo o comportamento individual deve ser referenciado ao contexto macro, ou seja, a um comportamento geral que a equipa deve fazer aparecer. Assim, todas as decisões de cada jogador devem ter sempre uma referência comportamental colectiva pois caso contrário estaremos a treinar aspectos que não têm sentido para a globalidade, para o padrão mais geral do jogo. Segundo Guilherme Oliveira (Anexo 2) isto representa uma fractalidade em profundidade «que está presente na medida em que, por exemplo, eu peço um comportamento mais geral no momento de organização ofensiva e o comportamento mais individual tem a ver com esse comportamento mais geral».

Para o comportamento geral aparecer, o colectivo, cada um dos jogadores têm que agir em congruência e isso exige treino, como tal há que treinar essa sincronização para que todos confluam para o mesmo objectivo. Imagine-se uma grande peça de um puzzle que para se manifestar na sua plenitude necessita de ser completada e para isso acontecer são precisas todas as peças sem excepção (os onze jogadores), cada uma no seu lugar, desempenhando a sua função específica nesse todo ao qual pertence e subordina a sua acção (Figura 2). Naturalmente que a influência que cada jogador tem em determinado momento para o surgimento desse comportamento geral pretendido não é a mesma no que à magnitude diz respeito mas todos eles contribuem em confluência para permitir esse objectivo final. Se pensarmos por exemplo num momento de organização ofensiva, é aceitável que se dê mais relevância ao portador da bola ou àqueles que se encontram nas linhas de passe mais próximas (peças maiores), contudo, mesmo os colegas mais afastados ou com menor probabilidade de receber a bola (peças menores) devem estar a agir numa participação consonante com o comportamento almejado, isto é, contribuem (encaixam) para o aparecimento do comportamento geral pretendido.

E ainda... um pequeno excerto da entrevista a Rui Faria que o autor teve a gentileza de incluir,na íntegra, nas últimas páginas do livro...

Carlos Campos: Admite como potencialmente importantes para a consecução do Modelo de Jogo outras coisas que não a repetição sistemática em especificidade dos Princípios de Jogo, isto tendo em conta a sua vasta experiência a top? (musculação, personal-training, piscina…)
Rui Faria: Eu não vejo outra possibilidade que não seja essa repetição sistemática em especificidade dos Princípios de Jogo porque é FUNDAMENTAL perceber que a organização é o sucesso e quanto mais organizada for a equipa mais probabilidade de sucesso haverá.
Numa época extremamente competitiva onde por vezes a falta de tempo para treinar obriga-nos a fazê-lo numa supra-especificidade relativamente ao Modelo, a única preocupação que temos é treinar comportamentos de jogo, é treinar princípios, é atender ao lado estratégico em função do adversário numa perspectiva de antecipar o que vai acontecer no próximo jogo, corrigir comportamentos do jogo anterior, ou seja, temos que rentabilizar ao máximo o tempo que temos para treinar, para potenciar ao máximo o padrão comportamental que queremos e não pensamos em mais nada!
Carlos Campos: Mas estando a top, onde qualquer detalhe é decisivo, não sente necessidade de uma individualização do treino com recurso a máquinas de musculação, piscina, personal-training… Insisto nisto porque somos confrontados diversas vezes, mesmo dentro da nossa Faculdade, com o facto de vocês no Chelsea, utilizarem este tipo de recursos? Confirma isso? Em que moldes o faz?
Rui Faria: Só por idiotice e falta de rigor científico se pode afirmar uma coisa dessas porque a necessidade em termos de evolução do jogo é de tal ordem que não temos tempo para pensar nesse tipo de particularizações e nessas questões. A nossa perspectiva de trabalho não fomenta isso porque não acredita que isso se possa privilegiar em termos de rendimento e como o que nós queremos é rendimento e isso passa por organização é de uma extrema idiotice pôr em causa ou dizer-se – e eu não sei onde se foi buscar essa ideia – que temos personal-trainers ou fazemos musculação. É uma falta de rigor científico enorme fazer-se comentários desse género pois quando nós não temos tempo para treinar aquilo que é fundamental para nós, quanto mais para treinar coisas que não fazem parte da nossa forma de pensar o treino, portanto elas não fazem parte da nossa natureza mesmo que tivéssemos tempo e que fique bem claro que elas não existem na nossa forma de treinar! Volto a repetir que só por idiotice e por falta de rigor científico é que as pessoas podem dizer que nós tínhamos personal-training ou que fazíamos treinos na piscina!
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O principal responsável era o treinador e em seguida era eu e como segundo responsável da estrutura técnica afirmo que é ridículo pessoas dizerem que fazemos um determinado tipo de coisas que na realidade não fazemos! Quem não acreditar pode vir observar e constatar o que estou a dizer.
É fácil perceber que durante um processo de reabilitação médica, existam jogadores que tenham, pela forma como o departamento médico se organiza, responsáveis pelo seu processo de reabilitação, de superação da lesão, e estes jogadores eram entregues a elementos do departamento médico que tinham em determinadas horas o cuidado de tratar deles e actividades para fazer com os jogadores sendo que aí sim, utilizavam os meios que eles consideravam serem importantes para a sua recuperação mas aqui os jogadores não estavam a trabalhar no terreno, não estavam entregues à equipa técnica pois estamos a falar do processo de recuperação onde iam ao ginásio, faziam hidroginástica mas numa perspectiva de recuperação funcional e biomecânica. A partir do momento em que os jogadores estavam recuperados funcionalmente e voltavam para o terreno, todo o trabalho era progressivamente específico em termos de modalidade e Modelo de Jogo.
Não temos necessidade de provar nada a ninguém, até pelo trajecto que temos feito, nem temos necessidade de dizer que fazemos uma coisa e fazermos outra só porque nos lembramos de dizer que somos diferentes. Nós somos efectivamente diferentes e para as pessoas que não conseguem perceber essa realidade é-lhes mais fácil dizer que nós somos iguais a eles do que dizerem que trabalhamos duma forma diferente porque nós sabemos como eles treinam mas eles desconhecem completamente a nossa forma de operacionalizar o treino.