segunda-feira, 20 de julho de 2009

FUTEBOL (COM) SENTIDO

O Futebol como a Coca-Cola

Fernando Pessoa dizia relativamente à Coca-Cola que “primeiro estranha-se e depois se entranha”. Trata-se de um slogan que, por muito estranho que possa parecer à primeira vista, tem total aplicabilidade no Futebol.

O Futebol é uma modalidade cuja especificidade funcional dominante implica partes do Corpo (de modo mais evidente, os pés) preteridas evolutivamente - tanto a nível motor como sensitivo – em detrimento de outras, de modo mais evidente as mãos, culturalmente mais requisitadas e, por conseguinte mais refinadas e desenvolvidas. Uma parte do Corpo que, com excepção para os guarda-redes, não contacta com a bola. Pode, assim, dizer-se que o Futebol «pede aos pés, aquilo que a evolução programou para as mãos», ou seja, a prática do Futebol cria inicialmente um conflito, isto é, estranha-se.

Não obstante este facto, o Futebol foi capaz de emergir, em pleno, da «geração do polegar» e constituir-se como um fenómeno único a nível global, que aglutinou, para o melhor e para o pior, multidões em seu redor. Deste modo, entranhou-se na sociedade. De notar, contudo, que esta paixão muito singular, além deste entranhar mais colectivo, também se entranha a um nível mais individual. Por isso, também os jogadores, devido à expressão regular da especificidade funcional da modalidade, entranham a sua gestualidade tão própria, sendo esta tanto mais sublime quanto mais entranhada estiver, isto é, quanto mais afastada se encontrar a estranheza inicial para com o objecto de jogo – a bola.

Note-se contudo, que a Qualidade e beleza do Futebol não se cinge, de modo algum, à relação com bola. Muito pelo contrário, a Qualidade de um jogar tem subjacente e implicada a Intencionalidade inerente à existência de tal objecto, de um objectivo e uma ideia de como fazer uso desse objecto, mesmo não o tendo (equipa ou jogador), e ainda de como atingir o objectivo do jogo. Trata-se de um projecto empático colectivo que é tanto mais rico, quanto mais contemplar a importância de uma funcionalidade, cuja intencionalidade subjacente assenta no desejo permanente de ter a posse da bola. Até porque como afirma Jorge Valdano “não há natação sem água”. O emergir de uma cultura ou desse tal projecto colectivo, não é simples. A construção da essência de um jogar – Táctica – não surge por geração espontânea, por isso também ela primeiro se estranha e somente depois se entranha.

A Periodização Táctica tendo como premissa a possibilidade desse entranhar, pretende fazê-lo de forma célere, mas não apressada, para que tal Intencionalidade se constitua como Cultura, ou seja, torne possível o entranhar consciente e prevalecente, mas não cristalizado de um jogar.

Curiosamente, ou não, a sensação que tive quando ouvi falar pela primeira vez sobre Periodização Táctica foi de estranheza, tendo verificado inclusive que se gerou em mim um conflito. Resistindo-lhe e à relutância inicial, verifiquei que se tornava em mim algo cada vez menos estranho. Desse modo, tal como o Futebol, também a Periodização Táctica primeiro se estranha e depois se entranha, o que não deve causar admiração, sendo inclusive a prova que contemplando a essência do jogo (InterAcção Intencional Específica) partilha com este também esta particularidade: primeiro estranha-se e depois entranha-se.

São várias as analogias possíveis de serem estabelecidas entre a Coca-Cola e a Periodização Táctica. Desde logo ambas se constituíram como rupturas relativamente ao que se pode considerar a norma. E daí a estranheza inicial. Os seus percursos iniciais não foram fáceis, muitas vezes ostracizados, tendo isto, por consequência, tornado mais consistentes tais transgressões. Caminhadas resistentes, que como tal as robusteceu, enfrentando e afrontando mitos estabelecidos, e em que tiveram de combater falsas verdades e deturpações que, por desconhecimento, mas sobretudo por inveja, foram surgindo em torno destas transgressões.

Apesar do génio de Fernando Pessoa não ter sido o responsável pela criação da Coca-Cola, permitiu-lhe criar o slogan que dando mote a este texto melhor a define. No que à Periodização Táctica diz respeito, também um génio se destaca, o Professor Vítor Frade, a pessoa que sabendo que o «parir de um jogar» é como a Coca-Cola, desenvolveu e sustentou uma Metodologia de Treino de Futebol que se assume diferente. E, quanto a mim, para melhor.

Em suma, a Periodização Táctica e a Coca-Cola têm em comum o facto de serem transgressões geniais com sucessos evidentes a que ninguém, por inveja ou reconhecimento fica indiferente.

Jorge Maciel