quinta-feira, 9 de abril de 2009

UM LIVRO


Título
A justificação da Periodização Táctica como uma fenomenotécnica
«A singularidade da INTERVENÇÃO DO TREINADOR como a sua impressão digital»
Autor
Carlos Campos
Editora
MCSports
Prefácio
Luís Freitas Lobo
Colaboração
Rui Faria (adjunto de José Mourinho no Inter de Milão)
José Guilherme Oliveira (adjunto de Carlos Queirós na Selecção de Portugal AA)
Marisa Gomes (treinadora dos quadros do futebol de formação do FC Porto)
Data de edição
2008
Língua
Português


Para abrir o apetite...

Para Frade (2004a) a grande condição da Periodização Táctica é ser uma «fenomenotécnica» na operacionalização do treino. Isto quer dizer que não é suficiente dizer-se que a natureza desta realidade é caracterizada pela extrema sensibilidade às condições iniciais e depois deixar correr o processo sem qualquer intervenção. A causalidade não linear consiste precisamente no facto da intervenção ter o poder de alterar muita coisa, o que, aplicado ao treino no Futebol, faz todo o sentido e tem enorme pertinência dando a clara indicação que a intervenção do treinador durante os exercícios será um factor fundamental para o seu correcto direccionamento em função do modelo de jogo."
"Gomes (2007) referindo-se à intervenção do treinador durante o jogo, defende que esta não muda os hábitos pois isso tem que ser incorporado, vivido e sentido pelos jogadores no processo de treino. Se é no treino que devemos modelar o jogo que queremos, fará pouco sentido intervir de forma sistemática quando o jogo está a decorrer pois isso será sintoma evidente que o processo de treino fracassou uma vez que não condicionou o «jogar» idealizado.

Os diversos momentos do jogo (ataque, defesa, transição para ataque e transição para defesa) não podem ser vistos como estanques em si mesmos, isto é, eles dependem-se mutuamente e na construção dos princípios de cada um deles temos de ter em conta a ligação com os restantes sob pena de haver uma desarticulação comprometedora da qualidade do jogo.

Guilherme Oliveira (Anexo 1) fala-nos de uma fractalidade transversal relacionada com todos os momentos do jogo, ou seja, os comportamentos pedidos, por exemplo no momento de organização ofensiva, têm em consideração o momento de perda da bola e por conseguinte os momentos de transição para defesa e posteriormente de organização defensiva. Assim há uma interacção entre os diferentes momentos e o que está a acontecer num determinado momento está a ter uma resposta baseada não só no sucesso do momento em causa mas também dos momentos subsequentes tal como um sistema de roldanas (Figura 1) em que a inversão do sentido de uma delas implica uma resposta das demais visto que estão em interacção permanente.

Todo o comportamento individual deve ser referenciado ao contexto macro, ou seja, a um comportamento geral que a equipa deve fazer aparecer. Assim, todas as decisões de cada jogador devem ter sempre uma referência comportamental colectiva pois caso contrário estaremos a treinar aspectos que não têm sentido para a globalidade, para o padrão mais geral do jogo. Segundo Guilherme Oliveira (Anexo 2) isto representa uma fractalidade em profundidade «que está presente na medida em que, por exemplo, eu peço um comportamento mais geral no momento de organização ofensiva e o comportamento mais individual tem a ver com esse comportamento mais geral».

Para o comportamento geral aparecer, o colectivo, cada um dos jogadores têm que agir em congruência e isso exige treino, como tal há que treinar essa sincronização para que todos confluam para o mesmo objectivo. Imagine-se uma grande peça de um puzzle que para se manifestar na sua plenitude necessita de ser completada e para isso acontecer são precisas todas as peças sem excepção (os onze jogadores), cada uma no seu lugar, desempenhando a sua função específica nesse todo ao qual pertence e subordina a sua acção (Figura 2). Naturalmente que a influência que cada jogador tem em determinado momento para o surgimento desse comportamento geral pretendido não é a mesma no que à magnitude diz respeito mas todos eles contribuem em confluência para permitir esse objectivo final. Se pensarmos por exemplo num momento de organização ofensiva, é aceitável que se dê mais relevância ao portador da bola ou àqueles que se encontram nas linhas de passe mais próximas (peças maiores), contudo, mesmo os colegas mais afastados ou com menor probabilidade de receber a bola (peças menores) devem estar a agir numa participação consonante com o comportamento almejado, isto é, contribuem (encaixam) para o aparecimento do comportamento geral pretendido.

E ainda... um pequeno excerto da entrevista a Rui Faria que o autor teve a gentileza de incluir,na íntegra, nas últimas páginas do livro...

Carlos Campos: Admite como potencialmente importantes para a consecução do Modelo de Jogo outras coisas que não a repetição sistemática em especificidade dos Princípios de Jogo, isto tendo em conta a sua vasta experiência a top? (musculação, personal-training, piscina…)
Rui Faria: Eu não vejo outra possibilidade que não seja essa repetição sistemática em especificidade dos Princípios de Jogo porque é FUNDAMENTAL perceber que a organização é o sucesso e quanto mais organizada for a equipa mais probabilidade de sucesso haverá.
Numa época extremamente competitiva onde por vezes a falta de tempo para treinar obriga-nos a fazê-lo numa supra-especificidade relativamente ao Modelo, a única preocupação que temos é treinar comportamentos de jogo, é treinar princípios, é atender ao lado estratégico em função do adversário numa perspectiva de antecipar o que vai acontecer no próximo jogo, corrigir comportamentos do jogo anterior, ou seja, temos que rentabilizar ao máximo o tempo que temos para treinar, para potenciar ao máximo o padrão comportamental que queremos e não pensamos em mais nada!
Carlos Campos: Mas estando a top, onde qualquer detalhe é decisivo, não sente necessidade de uma individualização do treino com recurso a máquinas de musculação, piscina, personal-training… Insisto nisto porque somos confrontados diversas vezes, mesmo dentro da nossa Faculdade, com o facto de vocês no Chelsea, utilizarem este tipo de recursos? Confirma isso? Em que moldes o faz?
Rui Faria: Só por idiotice e falta de rigor científico se pode afirmar uma coisa dessas porque a necessidade em termos de evolução do jogo é de tal ordem que não temos tempo para pensar nesse tipo de particularizações e nessas questões. A nossa perspectiva de trabalho não fomenta isso porque não acredita que isso se possa privilegiar em termos de rendimento e como o que nós queremos é rendimento e isso passa por organização é de uma extrema idiotice pôr em causa ou dizer-se – e eu não sei onde se foi buscar essa ideia – que temos personal-trainers ou fazemos musculação. É uma falta de rigor científico enorme fazer-se comentários desse género pois quando nós não temos tempo para treinar aquilo que é fundamental para nós, quanto mais para treinar coisas que não fazem parte da nossa forma de pensar o treino, portanto elas não fazem parte da nossa natureza mesmo que tivéssemos tempo e que fique bem claro que elas não existem na nossa forma de treinar! Volto a repetir que só por idiotice e por falta de rigor científico é que as pessoas podem dizer que nós tínhamos personal-training ou que fazíamos treinos na piscina!
(...)
O principal responsável era o treinador e em seguida era eu e como segundo responsável da estrutura técnica afirmo que é ridículo pessoas dizerem que fazemos um determinado tipo de coisas que na realidade não fazemos! Quem não acreditar pode vir observar e constatar o que estou a dizer.
É fácil perceber que durante um processo de reabilitação médica, existam jogadores que tenham, pela forma como o departamento médico se organiza, responsáveis pelo seu processo de reabilitação, de superação da lesão, e estes jogadores eram entregues a elementos do departamento médico que tinham em determinadas horas o cuidado de tratar deles e actividades para fazer com os jogadores sendo que aí sim, utilizavam os meios que eles consideravam serem importantes para a sua recuperação mas aqui os jogadores não estavam a trabalhar no terreno, não estavam entregues à equipa técnica pois estamos a falar do processo de recuperação onde iam ao ginásio, faziam hidroginástica mas numa perspectiva de recuperação funcional e biomecânica. A partir do momento em que os jogadores estavam recuperados funcionalmente e voltavam para o terreno, todo o trabalho era progressivamente específico em termos de modalidade e Modelo de Jogo.
Não temos necessidade de provar nada a ninguém, até pelo trajecto que temos feito, nem temos necessidade de dizer que fazemos uma coisa e fazermos outra só porque nos lembramos de dizer que somos diferentes. Nós somos efectivamente diferentes e para as pessoas que não conseguem perceber essa realidade é-lhes mais fácil dizer que nós somos iguais a eles do que dizerem que trabalhamos duma forma diferente porque nós sabemos como eles treinam mas eles desconhecem completamente a nossa forma de operacionalizar o treino.

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