quinta-feira, 16 de abril de 2009

OPINIÃO

Uma questão de lógica de jogo com comportamentos coerentes na sua globalidade
por José T.

Em resposta à solicitação do autor deste espaço, disponibilizei-me para discutir alguns pormenores de jogo relacionados com a crónica «Divórcio anunciado».
A questão do «pivô» e do «médio transportador de bola» é uma discussão interessante, fundamentalmente, ao nível dos conceitos, dos princípios e da lógica subjacente à equipa como um todo.
Parece-me demasiado fácil e sedutor usar conceitos que consideramos mais inteligentes ou evoluídos na tentativa de nos mostrarmos mais sabedores ou conhecedores sobre determinado assunto, mas devemos ter sempre o cuidado de perceber quais as suas origens e se tais conceitos são, ou não, adequados para o tema que estamos a discutir.
Para mim, o conceito de pivô está intimamente ligado a uma organização ofensiva em posse e circulação, com uma dinâmica interactiva de ocupação dos espaços com e sem bola. O que se pretende é que a equipa tenha zonas de passe perto e longe da bola, isto é, um jogo posicional sincronizado em que os jogadores funcionam uns em função dos outros, tentando encontrar o espaço e o momento adequados para fazer a bola penetrar ou finalizar com golo. Neste contexto, o pivô aparece como uma das figuras centrais, pois ocupa uma posição favorável, por excelência, para fazer a bola circular. Ele é um elemento organizador do jogo posicional, reaferindo espaços e equilíbrios, controlando timings de aceleração e temporização do jogo. A partir da sua zona, cria jogo pelo corredor central, o que permite à sua equipa jogar no interior do adversário. No fundo, numa lógica de controlo do jogo em posse de bola, num padrão por excelência de posse e circulação que procura os espaços do terreno de jogo favoráveis para criar os momentos óptimos para finalizar com golo, podemos e devemos usar o conceito de pivô para o jogador com a função acima descrita. Fora deste contexto, parece-me atrevido atribuir um conceito tão nobre, complexo e evoluído a um jogador!
Quanto à ideia de «médio transportador de bola», facilmente se interpreta que um médio, avançado ou defesa que seja «transportador de bola» está desadequado ou é mesmo contraditório a um padrão de jogo de posse e circulação. Num jogo circulado e apoiado, com jogadores perto e longe da bola, com ocupação racional do terreno de jogo e com a ambição de encontrar os melhores espaços para finalizar, torna-se desprovido de sentido algum jogador «transportar a bola». Porquê? Porque tal não é necessário!!! Porque é contrário ao padrão global existente.
No entanto, devemos ter o cuidado de perceber as diferenças entre «transportar a bola» e «penetrar com bola». A primeira situação implica deslocação de um objecto, enquanto a segunda implica a identificação de um espaço óptimo que deve ser ocupado. A primeira acontece várias vezes em jogos de transição onde os jogadores estão sozinhos ou desapoiados, com raras zonas de passe reais e onde existe uma vertigem pela aceleração – demasiadas vezes sem critério, porque se acredita que, quanto mais rápido o deslocamento, mais perto se está do golo. A segunda funciona como uma excepção. É uma estratégia de ocupação de espaços que tem subjacente um princípio e uma intenção e onde facilmente se observa uma sub-dinâmica de jogadores e comportamentos para se beneficiar de tal situação. No fundo, a primeira reflecte uma lógica individual, de quem transporta, enquanto a segunda reflecte uma lógica global, um padrão racional de circulação assente num jogo posicional de excepção!
José T.

3 comentários:

  1. Mas um pivô não tem também que participar defensivamente? Claro que sim.
    Então nessas fases tem outro nome? Claro que não.
    Ou seja, o conceito de pivô não será redutor, na sua denominação, em relação ao que ele tem que fazer durante todos os momentos do jogo? Percebe-se a sua grande influencia na fase ofensiva mas dá ideia que só participa no jogo quando a equipa tem posse de bola.
    Concordo absolutamente com o nome e o conceito mas julgo que se deve ir mais além e inventar também um termo mais abrangente que englobe as competências de um pivô com alta participação e influencia em todas as fases do jogo e que promova a sua evolução.
    No fundo é um problema de terminologia semelhante à do antigo "trinco",embora de conceito inverso e muito mais sedutor.
    JAC

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  2. Nuno,

    Não querendo reduzir a qualidade do debate, não seria vantajoso aproveitar situações práticas para elucidar os leitores? Dou um exemplo concreto que tem encantado o mundo do futebol: Barcelona!

    No carrossel catalão, há um jogador que se destaca, no corredor central, na organização de jogo: Xavi. Assim, procurando seguir o tema do artigo, Xavi será um pivô? No meu entender, sim. Também penso que corresponde ao perfil citado no texto, pois o médio espanhol gere o ritmo e a ocupação dos espaços com e sem bola, potenciando a organização ofensiva em posse e uma circulação evoluída e segura.

    Poderemos dizer, então, que Xavi será um pivô defensivo? Não creio, pois à definição estão subjacentes tarefas mais associadas ao momento defensivo (posicionamento, recuperação, pressão sobre o portador, outras), apesar de um jogador nessa posição ter enorme responsabilidade na saída de bola e transição defesa-ataque.

    A meu ver, um pivô defensivo está colocado uns metros mais atrás, à frente da defesa, no local pisado pelo "trinco" (designação anteriormente utilizada). A diferença principal encontra-se na qualidade de passe e visão de jogo para iniciar o movimento ofensivo. Pirlo é um excelente exemplo de um pivô defensivo, pela posição que ocupa no terreno, mas seria um atentado ser caracterizado como "trinco". Miguel Veloso, no plano nacional, também tem o perfil certo para a posição de pivô defensivo.

    Xavi, por sua vez, não resume o seu raio de acção à zona identificada, mas antes, com o seu dinamismo, pisa terrenos mais adiantados e envolve-se mais directamente na organização ofensiva da equipa.

    Esta situação também está relacionada com o declínio do n.º 10, jogador "maestro" que geria o jogo ofensivo do colectivo. No futebol dito moderno, amordaçado tacticamente, preso numa floresta de pernas defensivas, o n.º 10 perdeu espaço e clarividência para soltar o futebol. Então, teve de abandonar a burguesia da sua altivez e transformar-se num jogador mais apetrechado para entender o processo defensivo. No fundo, teve de caminhar no sentido de transfigurar-se em pivô.

    No final da carreira, Rui Costa não era um n.º 10, mas um pivô. Scholes, no Manchester United, também joga como pivô, ou box-to-box, neste caso. Até Anderson, n.º 10 no FC Porto, é mais um pivô na equipa inglesa. Este tipo de jogadores, antes próximos da área contrária, tiveram de recuar uns bons metros para não deixarem perder a sua influência no jogo de posse e circulação. Mais do estrelas do passado, são multi-funcionais, pois exigem-lhes tarefas de organização, sem deixarem as acções de construção, através do passe de ruptura ou condução com bola.

    Penso que é aqui que o papel de Xavi se manifesta: no pivô completo que toca todos os momentos do jogo.

    Abraço.

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  3. Artigo batante pertinente, concordo em absoluto. Da noção de "inteireza inquebrantável do Jogo" emana a necessidade da coerência entre os princípios que dão corpo ao modelo de jogo. Tão simples como perceber que é incoerente ir ao mcdonald's comer uma salada.
    Aproveito, ainda, esta intervenção para agradecer a Nuno Amieiro e aos demais pelas reflexões "postadas".
    Abraço,
    Rui Tomé

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