terça-feira, 23 de junho de 2009

FUTEBOL (COM) SENTIDO

Parte IV
O emergir do Micro no Macro num Contexto Específico

Retomando a discussão em torno possível coexistência de pivôs e “médios transportadores”, questiono se a existência de um “médio transportador” não se coaduna com qualquer uma das posições do sector intermédio. Aceito sem qualquer problema tal concepção, contudo, não limitaria tanto, sob pena de ao limitar tornar limitativa uma determinada concepção de jogo.

No meu entendimento, não deverá ser hipotecada à partida a possibilidade da lógica do “médio transportador” emergir no seio do jogar de uma equipa. A existência, numa equipa, de um “médio transportador” ou de alguém que seja capaz de desempenhar tal função, sem que contudo esta se converta no primado da dinâmica colectiva da equipa pode ser, quanto a mim, útil à equipa em determinados momentos, uma vez que poderá dotá-la de outro tipo de soluções face a determinados tipos de padrões de problemas que os adversários podem colocar e que dificultam a lógica do pivô. De notar, contudo, que se tratará sempre de uma nuance estratégica (plano Micro) sem que, com isso, se observe a subversão daquele que é o jogar da equipa (plano Macro). Vejo tal possibilidade como um acrescento qualitativo a um determinado jogar, no sentido em que conferirá, à equipa, uma maior variabilidade. Poderá conseguir acelerar e desacelerar em passe, mas também em condução.

Voltando ao Cristián Rodríguez, será que faz sentido não explorar as suas potencialidades e singularidades? Tendo ele a singularidade de ser um transportador devemos reprimi-lo? Inequivocamente, tem qualidade e acrescenta à equipa coisas que os outros não conseguem acrescentar. Abdicamos então de tudo isso? Ou procuramos criar um contexto que lhe permita evidenciar tais singularidades, sem hipotecar a dinâmica e a organização colectiva? Para mim, a opção passará por tentar encontrar resposta para esta última questão. Tarefa mais difícil, mas talvez também mais proveitosa.

No início da época, Rodríguez, jogando como extremo, parecia-me um jogador trapalhão, demasiado sôfrego e posicionava-se sempre em zonas muito interiores, retirando largura à equipa no sector ofensivo e, por consequência, espaço e tempo aos jogadores deste sector. Na verdade, faltava-lhe espaço em profundidade para transportar e desequilibrar em drible. Ao partir de posições muito adiantadas pouco espaço tinha para explorar. Aquando da sua passagem para uma posição mais recuada, funcionando como “quarto médio”, conseguiu encontrar espaço para evidenciar as suas singularidades e mostrar a sua eficácia ao nível do transporte da bola. Não obstante a eficácia ao nível das transições ofensivas por parte da equipa, esta subdinâmica, pela sua exacerbação implicou que a equipa abdicasse da função de pivô em tais momentos, o que se repercute num jogar em que predomina a exploração cega das transições ofensivas por este meio.

Além deste aspecto, que leva o jogo a cair na "vertigem do jogar rápido" e não na lógica de jogar com a velocidade que o jogo exige, o facto de um jogador se assumir como referência nos momentos de transição tem implicações muito diversas e perniciosas para equipas que aspirem a um jogar circulado, dominador e controlador. Senão vejamos, ao assumir-se como referência na ligação da equipa às zonas mais adiantadas do terreno, tende a aproximar-se da zona da bola. Ora, isto tem implicações, como um desgaste acrescido deste jogador, a perda permanente de posição, com a agravante de roubar espaço e obrigar os demais jogadores a reajustarem e, por arrasto, a saírem das suas posições, com especial relevância para o pivô que, por ser obrigado a tal, deixa de o poder ser.

Note-se, ainda, que o recuo de Rodríguez para iniciar tais acções, apesar de lhe permitir ter mais espaço para explorar através do transporte de bola, obriga-o a jogar em zonas muito distantes da baliza, desgastando-se em corridas sucessivas e cuja eficácia poderia ser maior caso as iniciasse um pouco mais à frente, mas não na mesma linha dos jogadores mais adiantados. Desse modo, permitiria que o pivô pudesse jogar no seu espaço e que os jogadores mais adiantados tivessem mais espaço a explorar, e a abrir para possíveis entradas deste jogador que, aparecendo lá – e não partindo de lá – criaria maiores constrangimentos aos adversários.

Penso que, se Rodríguez crescer a este nível, ou seja, se for capaz de reconhecer os espaços a ocupar e a explorar, e se a equipa do FC Porto quiser não hipotecar a lógica do pivô, poderá fazê-lo. Não com Fernando a exercer tais funções, mas com Raul Meireles, um jogador que joga o jogo todo, que tem critério tanto com bola como sem bola, e que poderá dar à equipa um acrescento qualitativo significativo no desempenho de tais funções.

Por isso, considero que a presença do pivô e de um “médio transportador” não tem, necessariamente, que resultar num divórcio. Entendo mesmo que poderá ser um casamento feliz e fértil. Fértil no sentido de poder parir um jogar de qualidade. O desafio passa pela criação de uma dinâmica colectiva que possibilite tal casamento. O que implica que o jogar da equipa, mesmo assentando na lógica do pivô, isto é, reconhecendo preponderância e primazia a este jogador, possibilite o emergir, num contexto específico, e tendo em consideração um determinado padrão de problemas, das potencialidades do “transportador”. Trata-se, deste modo, de não renunciar às subdinâmicas do “médio transportador”, mas sim de aproveitá-las para a dinâmica colectiva. Tendo como âncora a presença do pivô. Perspectivando de modo correcto aquilo que é o plano Macro e o Plano Micro do jogar de uma equipa!

Jorge Maciel

3 comentários:

  1. Este blog está cada vez mais "apetitoso". Não só pelos temas abordados, e pela credibilidade dos autores, mas principalmente pela maneira como escrevem.

    O cuidado com que fazem, faz com que o leitor fique identificado com o que se está a falar, e ( pelo menos no meu caso ) seja possivel de imaginar as coisas a acontecer em campo.

    A clareza como expôem os vossos pensamentos ajudam bastante a que a mensagem passe e por isso, só tenho a agradecer, elogiar e procurar motivar para que façam mais e melhor.

    Abraço!

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  2. A utilidade de um "transportador", e retiro o "médio" porque não o tem de ser forçosamente, faz todo o sentido quando há 1.espaço para o transporte e 2.perfil individual para desempenhar essa tarefa. Ou seja, é um papel que me parece reservado, de uma forma estratégica, para os momentos de transição e para os jogos em que se antecipe a possibilidade de poder atacar em transição e com espaço. Obviamente que nunca poderá ser o "pivô" a ser "transportador", porque o segundo papel implica chegar à frente e assumir riscos em posse e o primeiro tem uma grande importância no momento de transição defensiva. Ou seja, se o "pivô" for "transportador", o equilibrio em transição defensiva pode ser afectado.

    No caso do Porto, para além do Rodriguez, também o Hulk foi utilizado em certos jogos com a missão estratégica de ser o "transportador" das transições. Por exemplo, na segunda parte em Braga, passou a ser utilizado em posições mais centrais, baixando para receber o primeiro passe em transição.

    Sobre o Meireles e voltando agora para a discussão do papel do "pivô", é há muito visivel que tem o papel estratégico de baixar muitas vezes para o lado de Fernando, dando mais a essa fase da construção uma qualidade que Fernando não tem. Meireles é, de resto, fantástico, porque tanto é capaz de se aproximar de Fernando, como de assumir um papel mais ofensivo, notório quando Lucho esteve lesionado.

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  3. Quando comecei a ler este excerto surgiu-me logo a ideia do meio-campo do Barcelona deste ano. O Yaya Touré, o pivô, o jogador mais posicional e o Iniesta, apesar de não se limitar a essas acções, um "médio transportador" que procura muitas vezes criar espaços através de condução e combinações próximas. A meu ver, é possível a co-habitação destes dois tipos de jogador em campo, mas para que esta seja proporcionador de eficiência, deve existir sempre uma interacção entre eles (e os restantes jogadores) no sentido de manter sempre os equilíbrios, a estabilidade e sempre sem descaracterizar a forma de jogar da equipa sabendo sempre que jogadores diferentes emprestam ao jogo sub-dinâmicas diferentes pela singularidade das suas características.

    Queria fazer um apelo ao autor do blog para que este não pare, pois estes textos têm transmitido mensagens importantes e acredito que é também útil para muitas outras pessoas.

    Cumprimentos,

    Nuno Faria.

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